Eficiência Energética

Imobiliário saúda metas ambientais das novas diretivas europeias, mas pede cautela na transposição

Imobiliário saúda metas ambientais das novas diretivas europeias, mas pede cautela na transposição

A nova Diretiva Europeia para o Desempenho Energético dos Edifícios esteve em destaque esta semana no webinar “Oportunidades e Desafios – Revisão da Diretiva do Desempenho Energético dos Edifícios”, organizado pela VI, que dinamizou uma discussão entre vários stakeholders do setor imobiliário, numa altura em que a diretiva se encontra em consulta pública.

Todos os intervenientes concordam com as metas propostas, entre as quais se destaca a criação de «uma Europa climaticamente neutra até 2050», a «redução de pelo menos 55% na emissão de gases de efeitos de estufa até 2030» ou que 85% do parque edificado seja neutro em carbono até 2050. Metas «ambiciosas» baseadas no Pacto Ecológico Europeu, «o nosso roteiro para tornar a economia da UE mais sustentável. Queremos uma transformação radical dos edifícios na Europa», descreve Vasco Ferreira, Policy Officer da Comissão Europeia.

Entre as medidas em discussão mais relevantes para o setor imobiliário estão, por exemplo, a definição de requisitos mínimos de eficiência energética dos edifícios, que atualmente só existem no caso de uma renovação ou edifício novo. Vasco Ferreira explica que «poderá haver a “obrigação” de renovar os edifícios menos eficientes, ou de associar renovações ao arrendamento ou venda».

Estão também em discussão a definição de renovação profunda de edifícios, que pode vir a definir critérios mínimos de poupança de energia, por exemplo, ou a criação de um “passaporte de renovação” do edifício, que registe todas as renovações em etapas graduais; além do reforço dos certificados energéticos e a sua uniformização nos vários países europeus.

Por outro lado, os edifícios novos poderão ter de ser Near Zero Energy Buildings ou emissões líquidas nulas, além de «indicadores de prontidão para edifícios inteligentes» ou infraestrutura para mobilidade elétrica.

Vasco Ferreira resume que «não queremos ser muito prescritivos, mas queremos promover a ação, renovação, metas ambiciosas. É importante ouvir os estados membros, mas também o mercado, as ordens, os técnicos, académicos».

A consulta pública vai receber contributos até ao próximo dia 22 de junho.

Necessidade de equilíbrio

Rui Fragoso, Diretor de Projetos Técnicos da ADENE, recorda que «ainda estamos a transpor a diretiva de 2018», e espera que se consiga «um ponto intermédio» que agregue as medidas das duas diretivas.

Maria Helena Corvacho, Professora Associada do departamento de Engenharia Civil da FEUP, realçou que «para o cumprimento de metas globais é preciso um equilíbrio. Quando se exige muito, o número de intervenções pode ser mais baixo porque algumas são inviabilizadas por excesso de exigência ou falta de recursos financeiros. Se a flexibilidade é maior, o impacto individual é menor, mas o número de intervenções pode ser maios. É importante o balanço entre as duas coisas».

Ter em conta as especificidades do mercado local

Hugo Santos Ferreira, Presidente da APPII, admite que «as métricas devem ser ambiciosas, mas o meu medo é a transposição e o que será feito para cumpri-las», nomeadamente «num país com um gravíssimo problema habitacional, onde não há habitação para a classe média e não é possível fazê-la devido à legislação desatualizada ou aos custos de contexto. Estamos alinhados na melhoria do desempenho energético, mas tememos falar de medidas irrealistas tendo em conta a nossa realidade», e salienta a eventual obrigatoriedade de os novos edifícios serem todos neutros em carbono: «estamos a por a carroça à frente dos bois». Defende a criação de linhas de financiamento “verde” para a promoção imobiliária.

João Gomes, Presidente da ANFAJE, mostra-se preocupado, por um lado, com os custos dos materiais de construção e com a falta de formação da mão-de-obra e com a sua escassez: «antes da crise já precisávamos de 60.000 trabalhadores. Precisamos de imigrantes para este setor»

Manuel Duarte Pinheiro, responsável pelo sistema LiderA, considera que as propostas «são muito positivas», mas alerta que «é essencial não esquecer a ligação ao mercado», nomeadamente que Portugal é um país de proprietários. Destaca, pela positiva, os requisitos mínimos, a definição de renovação profunda ou a criação do “passaporte” do edifício, mas aponta «a nuvem negra da obrigação de renovar os edifícios com pior desempenho. Será bom se o Estado tiver essa capacidade. Não dar capacidade aos privados pode ser um risco muito significativo».

Carlos Mineiro Aires, Presidente da Ordem dos Engenheiros, deixa a nota: «foram as rendas congeladas que levaram os edifícios ao estado em que estão. Rendas miseráveis não permitem grandes investimentos».

Sobre o carregamento de veículos elétricos, lembra que «não faz sentido ser obrigatório para todos os edifícios», quando muitos deles nem têm garagem. E Hugo Santos Ferreira remata que «não é viável ter carregamento para carros elétricos na maioria das nossas cidades. Temos de readequar as nossas leis nacionais às exigências europeias».

João Hormigo, Presidente da APFM, considera que «há um enorme conjunto de questões que é necessário considerar», lembrando as necessidades inerentes a criar um edifício inteligente, como os serviços de gestão ou de cibersegurança dos sistemas de controlo, ou ainda a dificuldade no reforço de potência elétrica dos edifícios: «vejo a diretiva com bons olhos, reconhecendo que há dificuldade de a implementar».

Ricardo Camacho, Coordenador da Comissão Técnica de Sustentabilidade da Ordem dos Arquitectos, destacou a importância de envolver os projetistas nesta matéria, e acredita que «a questão local é fundamental por isso. Seria importante a criação de uma comissão que possa reunir esta informação do contexto português». Salienta a importância do ordenamento do território de cada país, o tema da propriedade privada e a economia circular.

Não penalizar o clima do sul da Europa

Helena Corvacho realçou também que «uma harmonização excessiva das exigências europeias será sempre penalizador para os países do sul da Europa, onde é preciso ser realista nos impactos dessas medidas. Será importante salvaguardar a definição específica do que se vai exigir em cada país».

Carlos Mineiro Aires aponta a «tarefa gigantesca» de reabilitação dos edifícios «para haver melhor conforto em Portugal», onde «3 em cada 4 casas não cumprem o atual regulamento térmico. É muito difícil cumprir estas metas, porque nem todos os países têm os mesmos comportamentos. Não podemos olhar para elas cegamente. Temos de perceber o esforço financeiro que estamos a pedir, e até que ponto é realista».

Também José Manuel Sousa, Vice Presidente da OET, concorda que a uniformização dos critérios de desempenho energético «é um risco significativo para os países do Sul, dada a diferença de clima». Sobre a harmonização dos certificados energéticos, concorda com a sua uniformização «ao nível dos modelos, não dos critérios». E remata: «não sei se teremos meios para tudo, mas acho que as metas devem ser ambiciosas de qualquer modo».

João Gomes exemplifica que «é impossível criar uma etiqueta uniforme para janelas ao nível europeu, cada sistema é muito diferente em cada país».

Assista ao webinar completo aqui:

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