A sessão "Investir e financiar o imobiliário: Desafios e Perspetivas", no âmbito da Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa, contou com três apresentações antes da mesa-redonda de debate. O foco esteve nas tendências do mercado imobiliário, na evolução dos preços e nas condições de financiamento por parte da banca.
Ricardo Valente, Head of Porto da Savills, destacou que os investidores institucionais «vão direcionar-se para projetos de arrendamento institucional (BTR), em conformidade com critérios ESG». Quanto às perspetivas globais, referiu que «à medida que a política monetária se tornar mais flexível em 2025, espera-se uma melhoria nas condições de financiamento, atraindo renovado interesse dos investidores. Também se acha que estaremos a repetir as tendências dos anos 70, em que a inflação abranda e depois volta logo a subir». Mas a dinâmica hoje é «completamente diferente. A reflação em 2025 é muito pequena», acrescentou.

Já Ricardo Guimarães, Diretor da Confidencial Imobiliário, destacou que «o mercado regressou a níveis de vendas prévias à subida dos juros. Lisboa valorizou 5,5% e há concelhos a valorizar mais de 15% revelando uma forte assimetria. Os mercados mais caros são mais estáveis, e os mais baratos estão a corrigir preços». Por outro lado, «continuamos a construir muitas moradias. Tem havido crescimento do número de projetos com mais de 100 fogos, mas com pouca tradução efetiva em obra»

O índice de rendas de habitação em Lisboa «tem vindo a aumentar, apesar de os preços aumentarem apesar de as yields aumentarem também. A redução da oferta no arrendamento teve efeitos no aumento das rendas. Lisboa está com rendas anormalmente altas, a oferta que existe no mercado dá todo o poder de decisão à oferta», referiu Ricardo Guimarães, acrescentando que o mercado «está a testar preços, progressivamente, e pela primeira vez na nossa revisão de tabelas temos travagem na taxa de revisão de preços da habitação».
Na perspetiva da banca, Miguel Máximo, Diretor Comercial da Direção de Empresas da Caixa Geral de Depósitos, reforçou que, desde dezembro de 2023, se tem assistido a uma redução das taxas de juro. A banca, por sua vez, «está cada vez mais exigente com critérios ESG, beneficiando quem os cumpre». Na hora de conceder financiamento, competência do promotor, localização, qualidade do projeto e adequação ao mercado continuam a ser fatores determinantes, assim como o nível de capitais próprios e o cumprimento dos critérios ESG. «Todas as empresas da nossa carteira de crédito já têm nível de ESG consultável. Tenham esta preocupação porque vai fazer toda a diferença e vamos ser exigentes com isso», alertou. Quanto ao arrendamento, «começa agora a ter maior apetência, com mais investidores a entrar neste mercado, e os bancos interessam-se mais», adiantou.

Mesa-redonda de debate
A incerteza legislativa, a carga fiscal elevada e a falta de incentivos continuam a ser os principais entraves ao desenvolvimento do mercado de arrendamento em Portugal. A conclusão foi unânime entre os especialistas que participaram na mesa-redonda desta sessão, moderada por Luís Menezes Leitão, Presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP).
Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, enfatizou que «os problemas que dificultam o aumento da oferta habitacional, sobretudo a preços acessíveis, são sempre os mesmos. Além disso, continuamos a assistir a uma sucessão de medidas confusas no âmbito das políticas públicas». No que toca ao Build to Rent, «os números e a realidade falam por si: não temos projetos. Apesar de ser uma das maiores dinâmicas de investimento imobiliário na Europa, em Portugal continua sem expressão. Isso acontece não só porque a venda é mais atrativa, mas também porque os portugueses valorizam mais a propriedade do que o arrendamento».
“O NRAU é uma das leis mais instáveis, imprevisíveis e injustas”
O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) «é uma das leis mais instáveis, imprevisíveis e injustas que conhecemos. Mudou mais de 10 vezes na última década e tornou-se totalmente desequilibrado, caminhando para uma desresponsabilização total do inquilino incumpridor. É preciso confiança no mercado. Atualmente, apenas um louco investiria num projeto de arrendamento, dada a elevada taxa de risco», reiterou.
O presidente da APPII acrescentou ainda que a carga fiscal também «inviabiliza a construção para arrendamento nos centros urbanos. Se somarmos a isto o alto custo dos terrenos, a falta de mão de obra e a reduzida capacidade instalada, o balanço torna-se insustentável. É uma pena, porque as políticas públicas poderiam desempenhar um papel determinante. Portugal não tem um único projeto de BTR, enquanto só a Comunidad de Madrid conta com cerca de 30.000 unidades deste segmento».
Os programas atualmente em vigor «foram mal concebidos e não envolveram o setor privado. O Estado tem a sua função social, mas os privados que aderirem precisam de obter rendimento e lucro, ainda que menor e a longo prazo. Por isso, não conseguimos montar programa de arrendamento acessível em Portugal ainda», enfatizou Hugo Santos Ferreira.
Por outro lado, Paulo Silva, Head of Country da Savills Portugal, salientou que «há uma grande carência de produtos, pelo que falamos de um bom momento do ponto de vista da oferta, mas a perspetiva da procura é mais desafiante», afirmou. Com o aumento das obras públicas, «os custos vão subir, e os preços dos produtos também, uma vez que não haverá capacidade para compensar esse efeito», explicou o responsável.
Referindo-se aos Golden Visa, afirmou que estes «foram fundamentais para absorver um mercado descapitalizado num momento em que era necessário. A determinada altura, teria sido mais adequado redirecioná-los para o arrendamento, por exemplo. Era evidente que o racional do Golden Visa não era económico, mas acabámos por extingui-lo».
Paulo Silva considera ainda que o Estado tem um papel crucial na solução para o problema da habitação. «Ainda hoje, mantemos incentivos fiscais em Áreas de Reabilitação Urbana (ARU), que fizeram sentido no passado, mas que atualmente, com imóveis a serem vendidos por mais de 10.000 euros/m², são um verdadeiro disparate. O agente económico, por si só, não consegue resolver este problema de forma eficiente. Bastaria que o Estado tratasse do seu património devoluto. É de uma simplicidade constrangedora», disse.
“A forte procura estrangeira tem sustentado os preços do imobiliário, enquanto há cada vez mais portugueses a procurar arrendar”
Por sua vez, Pedro Coelho, CEO da Square AM, considera que «atualmente, vivemos um momento único, em que Portugal e Espanha são responsáveis por metade do crescimento económico europeu. No nosso país, a forte procura estrangeira tem sustentado os preços do imobiliário, enquanto há cada vez mais portugueses a procurar arrendar».
Falando também no Build to Rent, salientou que «o rendimento habitacional é inferior ao do imobiliário comercial e conseguimos continuar a adquirir imóveis comerciais em diversos setores com yields de 7% ou superiores. Não faria sentido termos clientes particulares e oferecer-lhes, no final do ano, metade do rendimento que proporcionamos no setor comercial. Por isso, quem investe em BTR são, sobretudo, fundos de pensões e companhias de seguros, que têm um horizonte de investimento muito longo e estável. Esses investidores evitam Portugal devido à instabilidade legislativa».
Além disso, o setor bancário «tem tradicionalmente favorecido o crédito à habitação para particulares, com taxas mais vantajosas do que para empresas. No entanto, no resto da Europa Ocidental, o crédito às empresas tende a ser mais barato do que para particulares. Isso faz com que muitos portugueses consigam uma prestação de compra mais baixa do que o valor da renda—e, ainda assim, fiquem com património», acrescentou Pedro Coelho.
Do lado da banca, Miguel Máximo, Diretor Comercial da Direção de Empresas da Caixa Geral de Depósitos, assegurou que não há problemas de liquidez. «Atualmente, não há problemas de falta de liquidez nos bancos. Pelo contrário, as instituições financeiras dispõem de muita liquidez», afirmou. A realidade atual contrasta com a de há 15 anos, quando a maioria dos bancos tinha mais crédito concedido do que depósitos. «Essa realidade inverteu-se completamente. A CGD, por exemplo, apresenta um rácio de 60%. Não há qualquer problema de liquidez, pelo que os projetos são financiáveis, desde que sejam bons projetos, com níveis adequados de capitais próprios e LTVs. Nos últimos quatro ou cinco anos, não me recordo de projetos recusados por falta de disponibilidade da banca», garantiu.
Já Frederico Arruda, da Direção da APFIPP, destacou a evolução dos veículos de investimento imobiliário em Portugal, mas alertou para os desafios na área da habitação. «Há cada vez mais veículos de investimento em Portugal, com maior credibilidade e um bom enquadramento fiscal. Têm sido uma exceção à regra no que toca a alguma estabilidade fiscal e, na área da habitação, em particular, temos assistido a uma evolução positiva», referiu. No entanto, o especialista referiu que «sabemos porque é que tradicionalmente o investimento na habitação era limitado. A instabilidade sistémica continua a ser um fator crítico para os investidores e um obstáculo ao desenvolvimento do arrendamento. As sociedades gestoras ou se dedicam a veículos de promoção ou, no que toca ao arrendamento, ainda há um longo caminho a percorrer», inferiu.