A acústica dos edifícios esteve em destaque durante a Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa, um tema que «tem estado um pouco esquecido. Queremos lançar as bases para um debate sério sobre este tema, que deve ser feito agora que vão ser construídas várias novas infraestruturas no país».
As palavras são de João Ferreira Gomes, presidente da ANFAJE, associação que coorganizou este debate a 26 de fevereiro em conjunto com a VI, a Guardian Sun, a Saint-Gobain e a Zero.
Luís Campos, médico do Conselho Português para a Saúde e Ambiente, abordou a importância do isolamento acústico nos edifícios e o impacto efetivo do ruído na saúde. Avançou que ruído acima dos 50 decibéis já tem efeitos negativos para a saúde, e que os efeitos da poluição sonora não são apenas ao nível da audição, mas sim sistémicos: «a amígdala é estimulada e desencadeia um efeito de stress e produção de cortisol, e isso tem efeitos ao nível do stress oxidativo e nos próprios órgãos internos, que varia em cada um de nós», explicou, dando o exemplo do aumento do risco de AVC, hipertensão, doenças coronárias, ansiedade, depressão, problemas de metabolismo ou mesmo cancro, efeitos documentados pela Organização Mundial da Saúde. «Temos de mitigar estes riscos e de nos adaptar». O responsável não duvida que «está na altura de começarmos a cruzar o ambiente com as políticas de cidade. Não estamos perante um problema de ambientalistas ou jovens radicais, mas sim de um problema que nos afeta a todos nós».

Alternativa está na proteção dos edifícios
Num contexto em que a população deverá continuar a aumentar e existem poucas medidas de mitigação do ruído nas cidades, «temos de colocar o foco na proteção do edificado, para que possamos combater este problema de saúde», defende Rui Oliveira, diretor de Operações da Saint-Gobain Glass, que participou neste debate. Concorda que o tema da acústica está esquecido, «não se discute e não está visível em grandes projetos. Talvez porque a térmica nos toca a todos de forma mais severa. Eventualmente, as pessoas habituam-se ao ruído e incorporam-no no seu dia-a-dia, não entendem o assunto como urgente. Mas nos grandes projetos, temos de ter outro tipo de abordagem. Temos pessoas tecnicamente competentes, e há que respeitar a legislação. E temos de informar a população do que está à sua disposição neste aspeto».
Miguel Sánchez, Regional Residencial Program Manager da Guardian Glass, destacou que «a boa notícia é que há medidas a tomar, nomeadamente na envolvente transparente dos edifícios. Houve uma grande evolução nos últimos anos, e hoje conseguimos que a parte mais sensível da fachada minimize o ruído». Sobre planos e estratégias de apoio mais alargadas, dá o exemplo de Espanha, onde zonas de elevado tráfego aéreo podem beneficiar de apoios à troca de janelas. «Só na zona de Madrid são feitas cerca de 12.000 intervenções anuais».
Acácio Pires, Policy Officer da Associação Zero, salientou que «há um caminho importante a fazer em termos de medidas preventivas», nomeadamente ao nível do tráfego rodoviário e aéreo em cidades como Lisboa. «Precisamos de uma redução substancial do tráfego nas zonas mais densamente habitadas, e isso tem outros benefícios noutras áreas, como a qualidade do ar. Em alguns casos é preciso atuar ao nível da mitigação dos efeitos junto dos recetores sensíveis, e aí a construção e a reabilitação urbana têm um papel relevante, e podem alavancar isso. Mas talvez precisemos de planos de ação com mais informação, nomeadamente sobre o custo social do ruído». O responsável defende também que os programas dedicados à eficiência energética «são de âmbito cada vez maior, e podem integrar também a componente da acústica».
Por seu turno, Jorge Patrício, da Direção da Sociedade Portuguesa de Acústica, acredita que os riscos para a saúde humana já estão determinados e quantificados pela OMS, mas «pecarão por defeito». Critica a demora na revisão das diretivas sobre o tema, e afirma que «temos de atuar nos pontos fracos dos edifícios. Nas infraestruturas já existentes é mais difícil atuar sem ser ao nível do piso ou das bandas sonoras».
Dília Jardim, diretora do Departamento de Gestão Ambiental, Agência Portuguesa do Ambiente, recorda que as grandes infraestruturas de transporte em Portugal têm de elaborar o diagnóstico sobre o ruído de 5 em 5 anos e traçar planos de ação para o reduzir, como a criação de zonas-tampão, como edifícios não residenciais, ou instalação de barreiras acústicas. «O isolamento acústico é muito importante. As janelas já têm etiqueta energética, mas é preciso também certificar a acústica, e pensar em soluções na fonte do ruído».
A responsável recordou também que o princípio do “poluidor-pagador” já está previsto na legislação, mas «alguns operadores tentam alegar a situação da antiguidade, se existia primeiro a casa ou a infraestrutura, e há muitas dificuldades de implementação devido a essas incertezas». Mas defende que «as autarquias não deveriam permitir o licenciamento de habitação em zonas que terão ruído excessivo. Às vezes a infraestrutura já existe, e ainda assim as câmaras permitem construir. Muitas vezes, pensa-se que perto é bom, simplesmente. Mas temos de fazer escolhas».