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Setor avalia aplicação do Simplex e aguarda correções ao diploma



                      Setor avalia aplicação do Simplex e aguarda correções ao diploma
Sessão "Balanço à aplicação do Simplex – O que funcionou e o que precisa de revisão".

O Simplex Urbanístico está em vigor, mas quer as autarquias quer os operadores de mercado estão a ajustar-se a uma nova realidade e a exigir correções ao diploma. Qual o balanço possível? Quais as alterações que se exigem? Para analisar e responder a estas questões, a Semana da Reabilitação Urbana do Porto promoveu a conferência “Balanço à aplicação do Simplex – O que funcionou e o que precisa de revisão”.

Na abertura da sessão, Fernando de Almeida Santos, Bastonário da Ordem dos Engenheiros, sublinhou o papel essencial da engenharia nas discussões sobre o licenciamento. «A engenharia tem um papel preponderante nestas matérias», afirmou, destacando que a OE tem estado presente nas discussões públicas. Em relação ao Simplex Urbanístico, o Bastonário considerou que «hoje temos muitas coisas iguais ao que estavam».

Fernando de Almeida Santos, Bastonário da Ordem dos Engenheiros.

“Defendemos qualidade, novas tecnologias e sustentabilidade. Queremos a modernização da construção, mas temos de exigir distinções na fase de projeto”

O país enfrenta diversas necessidades habitacionais, «atualmente temos níveis de necessidades habitacionais: temos a habitação normal, com preços normais, e também a habitação social. Com os atuais requisitos para a construção, como Nzeb, sustentabilidade e certificação energética, estamos a elevar o nível da construção para patamares muito superiores a outros países europeus», afirmou, alertando para o facto de «os requisitos atuais levarem a que muitos dos equipamentos sejam mais caros que a própria construção em si». Nesse sentido, defendeu um «alívio nos requisitos para a construção de habitação digna, sem comprometer o conforto».

“Voltarmos ao que tínhamos não é solução”

Ainda na abertura da sessão, Hugo Santos Ferreira, Presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), foi incisivo ao afirmar que «voltarmos ao que tínhamos não é solução», recordando o «caos dos projetos que chegavam a durar quatro ou cinco anos», e a demora das licenças de utilização, que podiam levar até um ano. «Esse era o verdadeiro caos do licenciamento urbanístico, prejudicial ao setor e à sociedade», lamentou.

Hugo Santos Ferreira, Presidente da APPII.

O presidente da APPII destacou que foi a crise de habitação que levou à inclusão do Simplex na Carta Nacional da Habitação, um marco significativo para o setor. «Os políticos perceberam que cada casa que estava presa no licenciamento era menos uma casa para os portugueses», explicou.

“O Simplex 1.1 é um passo muito importante e necessário. É neste simplex que temos de trabalhar”

No entanto, Hugo Santos Ferreira reconheceu que o processo de simplificação não foi isento de dificuldades. «O Simplex foi um passo importante, mas ainda faltou ouvir algumas entidades, como as câmaras municipais, mas acho que o Simplex 1.1 é um passo muito importante e necessário, talvez até uma revolução. Trouxe uma mudança amplamente necessária», observou. O presidente da APPII enfatizou que «temos de ter este Simplex, não pode ser transformado num novo aeroporto, e os portugueses não podem esperar 50 anos para ter uma casa barata no mercado», acrescentando que «temos de o corrigir, erros e lacunas, mas temos de ter este; depois disso vêm os regulamentos municipais, não podemos mudar constantemente o Simplex também».

Na sua apresentação, João Pereira Reis, Sócio da Morais Leitão, partilhou a sua visão sobre o impacto do Simplex no contexto jurídico, apontando tanto os avanços como as fragilidades. A seu ver, um dos maiores sucessos do Simplex foi a mudança de paradigma na mentalidade das câmaras municipais, que passaram a dar maior atenção à simplificação e desburocratização dos processos. «A generalidade das câmaras está a rever os seus procedimentos e regulamentos, o que é uma mudança de mentalidade muito importante», disse.

João Pereira Reis, Sócio da Morais Leitão.

Entre os pontos positivos, destacou a eliminação do alvará de utilização, uma medida que considera «um avanço significativo». No entanto, João Pereira Reis não deixou de apontar algumas lacunas. Um dos principais problemas, segundo ele, é a falta de articulação com os instrumentos setoriais, o que levanta dúvidas difíceis de resolver. O responsável apontou ainda a complexidade dos novos elementos instrutórios dos pedidos, «as célebres portarias, que vieram retirar boa parte das boas intenções do Simplex». Quanto aos antigos alvarás, disse que «não tenho indicação de que serão repostos».

Mesa-redonda de debate

O debate sobre a aplicação do Simplex reuniu especialistas numa mesa-redonda para refletir sobre o impacto do diploma nas autarquias e as possibilidades de melhoria. A mesa-redonda, moderada por Bento Aires, Presidente da Ordem dos Engenheiros - Região Norte, contou com intervenções de Pedro Baganha, Vereador do Pelouro do Urbanismo e Espaço Público e Pelouro da Habitação da Câmara Municipal do Porto, António Miguel Castro, Presidente do Conselho de Administração da Gaiurb, Pedro Gomes, Secretário do Conselho Diretivo Regional do Norte da Ordem dos Arquitectos, Cláudia Beirão Lopes, Diretora de Licenciamento e Planeamento Urbano da Reify, e Bruno Neves de Sousa, Diretor Jurídico da Habitat Invest.

Pedro Baganha foi claro ao afirmar que, no Porto, o Simplex «alterou pouca coisa no que diz respeito aos efeitos do licenciamento». Embora o município tenha liderado o país em número de fogos licenciados, a burocracia ainda é uma realidade marcante.

«Este ano, somos o município do país que mais fogos licenciou, mas o número de processos que está a tramitar continua praticamente o mesmo. A revolução invisível foi o enorme esforço de adaptação da máquina administrativa e das pessoas que trabalham no município, fruto de uma metodologia errada de elaboração desta lei, do meu ponto de vista, pois não se falou com os municípios», disse Baganha, criticando a «falta de um período de transição adequado para a implementação da lei».

“Maior obstáculo está na organização das autarquias”

Para o vereador, o maior obstáculo está na organização das autarquias, apontando que municípios com organogramas mal estruturados continuam a enfrentar dificuldades na gestão do licenciamento. «Enquanto não houver uma mudança na cultura da administração, onde a postura seja de procurar soluções e não de defender pequenos poderes, vamos continuar a ter problemas em alguns territórios», afirmou. Pedro Baganha explicou ainda que «a esmagadora maioria do consumidor final está demasiado desprotegida e não sabe rigorosamente nada desta área».

A visão de António Miguel Castro foi igualmente crítica, mas centrada na importância da cultura organizacional e da adaptação às novas realidades. «É fundamental a cultura organizacional de uma instituição. A nossa estrutura é muito focada na inovação, no investimento em tecnologia, algo que nos permite acompanhar as mudanças do mundo e perceber a necessidade de uma melhoria contínua», disse Castro, aludindo ao trabalho da Gaiurb. Para o presidente da empresa, o Simplex tem falhado na mudança de paradigma, pois, em vez de promover o planeamento, tem-se centrado na fiscalização. «Passamos da apreciação para um foco na fiscalização, mas devíamos estar focados no planeamento», lamentou, destacando que a introdução de ferramentas como o BIM pode ajudar a antecipar problemas futuros, «ainda que não seja o alfa e o ómega da solução».

Pedro Gomes também levantou questões importantes sobre a falta de uniformidade na aplicação das normas. «Existem mais de 2.000 diplomas com imensas regras para cumprir e, às vezes, por desconhecimento, isso não está tudo homogéneo. Isso leva a erros, que quando identificados, já são difíceis de corrigir, e quando uma obra já está em execução, os custos são muito maiores, e o tempo ganho no início, pode acabar por ser muito maior», explicou. «Sentia-me mais seguro quando as coisas eram controladas previamente. As falhas acontecem, mas a responsabilidade era clara. Agora, as coisas estão mais dispersas e isso é problemático», afirmou Pedro Gomes.

Cláudia Beirão Lopes, por seu lado, refletiu sobre a forma como as autarquias se têm adaptado ao Simplex, destacando a necessidade de uma abordagem mais prática. «Se o país fosse o Porto e Gaia, se calhar não seria preciso Simplex. Sou cliente de ambas as freguesias, e estou à vontade para dizer isso. O discurso que têm, é consistente no resultado. É bom vê-los na solução». Nestes meses, «vimos as câmaras num frenesim para se adaptarem a esta legislação que lhes caiu um pouco de para-quedas, completamente ocupados para se adaptar a este desafio». Para a responsável da Reify, o Simplex «tem as suas ameaças, mas também oferece muitas oportunidades», desde que o projeto «seja analisado e abordado com a estratégia certa».

Bruno Neves de Sousa completou o debate com uma reflexão sobre a necessidade de uma abordagem integrada para a resolução dos problemas habitacionais em Portugal. «A solução passa por uma resposta integrada. A compilação e codificação da legislação é fundamental para que as normas estejam harmoniosas e integradas entre si», afirmou. O responsável disse ainda que «repudia qualquer tipo de solução que seja agora implementadas e que vá contra a génese inicial do Simplex. Não devemos repescar coisas antigas. Se as autarquias puderem em tempo útil decidir de forma rápida e célere, só assim podem contribuir para a solução».

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