A dinâmica no turismo produz múltiplos impactos na economia. Todavia, o pacote de medidas apresentando pelo Executivo para fazer frente à grave crise habitacional que o país atravessa, pode afetar o setor do turismo, em particular, o alojamento local, atividade que ganhou grande tração nos últimos anos, em particular em Lisboa e no Porto.
Como devemos lidar com a pressão urbana imposta pelo turismo, sem aniquilar uma importante fonte de rendimento económico para tantas famílias? Estas e outras questões vão estiveram em debate no segundo dia da Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa, na conferência "Há vida no Bairro – O equilíbrio de habitar e do turismo", organizada com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa e da Associação de Hotelaria de Portugal.
Na sua intervenção, Joana Almeida, Vereadora do Urbanismo, dos Sistemas de Informação e Cidade Inteligente, e da Transparência e Prevenção da Corrupção da Câmara Municipal de Lisboa, ao analisar o equilíbrio entre a habitação e o alojamento local, sublinhou que «é tudo menos equilibrado» pela forma como se «tem tratado tanto a habitação como o alojamento local, de forma muito extremada».
AL tornou-se “no culpado por não haver habitação a preços acessíveis”
A vereadora considera que o AL «tornou-se no culpado por não haver habitação a preços acessíveis», um discurso «totalmente errado», aponta. Refere que, em Portugal, temos um conjunto: «regulamento do AL, vistos gold, grande investimento no espaço público por parte da CML, programas de incentivo à reabilitação». A vereadora reforça que «não é possível» que todo o aumento do valor da habitação «se deve ao grande crescimento do AL», uma vez que «há todo um contexto».
“Na CML temos informação para conhecer a realidade”
De acordo com as palavras de Joana Almeida, na CML há «informação para conhecer a realidade», sendo que quando se avança com estas medidas, «alguma coisa não está bem», acrescentando que «nós fizemos este retrato para Lisboa, no Relatório de Caracterização e Monitorização do Alojamento Local, publicado em dezembro de 2022. É útil para tomar decisões para o AL, para definir uma política de equilíbrio entre os dois».
Joana Almeida sustenta que o Regulamento Municipal de Lisboa é visto «como exemplo equilibrado de gestão», sendo que «já tivemos proposta de revisão do regulamento, reunião com os vereadores sem pelouro, reunião com todas as juntas, receção e integração dos contributos numa proposta de revisão de RNAL, proposta de regulamento a submeter a reunião de câmara».
“Queremos regular o AL numa lógica de equilíbrio com a habitação”
Neste sentido, adianta que «queremos regular o AL numa lógica de equilíbrio com a habitação», sublinhando que «não queremos bairros exclusivamente turísticos ou de habitação social». Em contrapartida, «queremos reforçar a atividade de fiscalização e regulação e, também, queremos preservar a confiança e sustentabilidade do setor, evitando medidas disruptivas que lesam a confiança entre partes», enfatiza a vereadora.
Joana Almeida reitera que «não queremos a suspensão de novas licenças em todas as áreas urbanas, extinguir ou declarar caducidade ou reavaliação de licenças, nem criação de penalizações». A CML acredita «numa intervenção pela positiva, não pela negativa». Para a vereadora, a «postura proibitiva promove a ilegalidade» e, este proibição, «vai levar-nos de volta à informalidade».
“Não se podem tomar medidas que envolvem uma fileira sem auscultar dados efetivos”
José Almeida, Regional Manager & Commercial Director da Confidencial Imobiliário, defende que «temos uma atividade que contribuiu para a regeneração da cidade, tem várias externalidades positivas e negativas». Para o responsável, a questão base é que «não se podem tomar medidas que envolvem uma fileira com uma importância tão relevante sem auscultar dados efetivos e fazer um levantamento efetivo da situação».
«Frequentemente falamos de registos», sublinha o responsável, apontando para os dados da Confidencial Imobiliário: «o número de alojamentos ativos é substancialmente inferior aos registados, tipicamente 50% em Lisboa». José Almeida indica que este número de fogos corresponde a «cerca de 2% do total de fogos da cidade de Lisboa, maioritariamente no centro histórico e na baixa da cidade. Os T0 e T1 são tipologias dominantes». O responsável considera que «o moral da história é que é pouco inteligente fazer políticas públicas muito rapidamente e sem dados».
Evolução da procura turística em Lisboa
Numa ótica de perspetivas para o turismo em Lisboa, Eduardo Abreu, Partner da Neoturis, evidencia a evolução da procura turística em Lisboa. Sublinha que a procura internacional «mantém-se crescente, diversificada, qualificada» e a «valorização dos hotéis de Lisboa acontece, cresce, muito acima da média Europeia». O responsável constata que a cidade está «claramente no radar dos investidores internacionais», sendo que há «tendência clara de crescimento de quota de mercado de operadores de base internacional, que estão apostados em crescer em Lisboa»
Por outro lado, considera que há «uma grande fragmentação ainda e unidades datadas sem grande capacidade de investimento, uma quota de mercado baixa de operadores de marcas globais, a comparar com outras capitais europeias, e novos conceitos (microlivings, branded residentes), que ainda não existem». Aponta ainda para a importância de haver uma «maior estabilidade legal e fiscal».
“Para suportar positivamente este aumento da procura, não bastam só empreendimentos turísticos”
É uma das declarações de Bernardo Trindade, Presidente da AHP, na mesa-redonda de debate. Salienta que o alojamento local «é parte significativa deste esforço, resultou numa grande requalificação do edificado, traduziu o surgimento de novos conceitos e novas abordagens muito positivas» e que «mais do que proibir, temos de olhar de forma muito assertiva para este tema».
Bernardo Trindade elucida que, no início, o AL foi criado «para tratar o alojamento ilegal paralelo que não tinha enquadramento», todavia «passaram 15 anos: é tempo para olhar para as formas de alojamento coletivo e criar as condições para que possam migrar para os alojamentos turísticos, de uma forma que não seja onerosa».
“Medida mal pensada, sem ponderação”
Presente no debate, Eduardo Miranda, Presidente da ALEP refere que a medida de proibição da emissão de novas licenças de AL é «mal pensada, sem ponderação», uma vez que «não só estão a matar o AL, como também o turismo».
O presidente da ALEP considera que a medida tem um «impacto gigantesco, nomeadamente da taxa extraordinária, cria prejuízo a quem não tem alugado o ano inteiro», adiantando que é também uma crise «para toda a gente que tem lojas, comércio, restaurante nas zonas históricas: este é o impacto que um erro a este nível pode trazer, especialmente no caso de Lisboa, que já tinha zonas de pressão urbanística criadas».
Eduardo Miranda enfatiza que «estamos perfeitamente disponíveis para falar quando isto passar e houver reajustes», sendo que agora «estamos só a ver um colapso a ver se salvamos um pequeno segmento. É uma crise que tem de ser pensada como um todo».
António Quintão Pereira, Manager da Feels Like Home, considera que a alteração legislativa «é constante neste país». O responsável refere que o AL «era um mercado completamente paralelo, acredito que 90% não estava registado. Acreditávamos que o futuro era a legalização do AL. As pessoas, com a lei de 2014, ficaram cientes de que este era o caminho correcto. Quando as notícias extravasam o dia comum, há caça às licenças». Sublinha ainda que a taxa extraordinária «é uma bomba atómica», sendo que «uma taxação entre 50 a 70 euros por cada metro quadrado de apartamento, por ano, acresce às taxas que temos hoje».
“Portugal começou a ficar no mapa do investimento imobiliário”
De acordo com as palavras de Tiago Mendonça de Castro, Partner da Abreu, «houve flexibilização para reabilitação, vários incentivos à RU, a necessidade de reabilitação era gritante» em Portugal. Os impactos positivos «são evidentes, nomeadamente no que diz respeito à revitalização dos centros históricos. E não deverá acabar».
Para o responsável «é incontestável que o que se passa em 2023, é uma total impossibilidade de pessoas conseguir imóveis em Lisboa. Esperemos para ver o que aí vem».
Duarte Morais Santos, director Hotels da CBRE, as medidas para a habitação «são uma machadada final, e um grande entrave ao turismo, e no limite na economia». Toda esta instabilidade «que já existe» tem impactos «ao nível do investimento e nas decisões, sem saber o que será o dia de amanhã, tomam as suas decisões e ponderam o risco, e muitas vezes deixam de investir. E muitos dos edifícios dificilmente têm uso alternativo», acrescenta.
Para o responsável, 2022 «foi extraordinário em termos de performance hoteleira, apesar da inflação». Do ponto de vista do investimento, «continua a ser um dos setores mais apetecíveis neste momento. Notámos também subida de yields», destaca.