O Plano de Recuperação e Resiliência tem como uma das suas prioridades a habitação. Mas não só Portugal terá um programa deste género em vigor, bem como um problema de acesso à habitação, o que pode aumentar a concorrência no setor, e esgotar a pouca mão-de-obra existente.
Este foi um dos temas debatidos na conferência “As prioridades do PRR para o investimento em habitação”, uma das primeiras sessões da Semana da Reabilitação Urbana do Porto, que se realizou a 23 de novembro, coorganizada pela VI, pela AICCOPN e pela Câmara do Porto.
Carlos Mineiro Aires, bastonário da Ordem dos Engenheiros, recordou na ocasião que, com a última crise, «o tecido empresarial ficou destruído. Temos uma fraca capacidade instalada e falta de mão-de-obra, e temos ainda o PT2020 em curso. As empresas têm tido capacidade de adaptação, mas temos uma concorrência grande, que vai aumentar. Os donos de obra têm de perceber a necessidade de proteger as empresas nacionais», numa altura em que «três em cada quatro casas em Portugal não cumprem os requisitos de conforto, morre-se de frio e de calor».
E lembra que não existe um sistema de revisão de preços no caso das obras privadas, acreditando que «ou temos um entendimento [sobre os preços], ou não vamos conseguir [cumprir o PRR] se os preços continuarem a subir. Pode ser um forte constrangimento à sua execução».
Hugo Santos Ferreira, Presidente da APPII, concorda, e não tem dúvidas de que «os 26.000 fogos que serão construídos no âmbito do 1º Direito não chegam, e o problema da falta de habitação vai agudizar-se». Identifica uma «extraordinária falta de mão-de-obra» e um «galopante custo das matérias-primas», o que já impede a criação de habitação acessível: «estas questões vão ser agudizadas pelos PRRs, porque só com o nacional vamos perder ainda mais mão-de-obra e mais matérias primas (já tínhamos poucas), temos vários PRRs na Europa, e é fácil de perceber onde a mão-de-obra pode ir parar - onde ganhar mais».
Paulo Caiado, Presidente da APEMIP, espera «que o PRR seja devidamente alocado no que diz respeito à habitação», num contexto em que «a grande dificuldade no acesso resulta dos preços, que por sua vez resultam da disparidade entre oferta e procura. É indispensável estimular a oferta de produtos acessíveis à maioria da população», afirmou o responsável, que acredita que «a criação de novos fogos deve ser tributada de forma sustentada e duradoura ao longo do tempo. Não faz sentido onerar fiscalmente a construção desincentivando e pesando com grande significado no valor final».
Pedro Baganha, vereador do Urbanismo da CMP, recorda que a autarquia identificou na sua estratégia local de habitação uma necessidade de investimentos de 466 milhões de euros, e que o esforço de investimento em habitação acessível que tem vindo a fazer contará agora «com a ajuda do Estado central, em boa hora, parte do qual será feito através do programa 1º Direito». Mas admite que ainda não há solução para a criação de um mercado de arrendamento acessível, e que «não existem soluções de financiamento que não sejam crédito».
Outra dificuldade que identifica é o «crescimento explosivo dos custos da construção. Assusta-me a avalanche de obra que vamos ter em todo o país, numa altura em que o tempo não é um luxo que tenhamos. Ou executamos até determinada data, ou perdemos a capacidade de executar esse financiamento», alerta.
Burocracia e políticas díspares não ajudam
Hugo Santos Ferreira destacou que «as várias políticas não são integradas umas com as outras, e o licenciamento, que também é um custo de produção enorme, é um problema nacional e de habitação». Sugere mesmo que o PRR tenha verbas alocadas à agilização dos processos de licenciamento, pois «não há financiamento suficiente para resolver esta questão». Carlos Mineiro Aires acredita que é «inadmissível que não exista uma plataforma única de submissão de projetos de licenciamento».
Por outro lado, defende a redução do IVA a 23% na construção nova para habitação, «caso isolado na Europa». E lembra que será difícil atingir as metas europeias de sustentabilidade, nomeadamente as políticas “Near Zero Energy Buildings”: «Porque não dinamizamos os “green bonds” enquanto financiamento alternativo para habitação? O Banco de Fomento tem de ser chamado a intervir», sugere, concluindo que «se todas as políticas fossem integradas numas nas outras, teríamos um imobiliário mais verde e mais habitação».