Foi com o tema do financiamento à habitação acessível que terminou o segundo dia da Semana da Reabilitação Urbana do Porto, numa sessão focada nos primeiros projetos Build to Rent em desenvolvimento no país e nos desafios para atrair capital privado, garantir estabilidade e viabilizar nova oferta.
Bento Aires, presidente da Ordem dos Engenheiros – Região Norte, abriu a sessão recordando que “tudo isto são temas da engenharia” e sublinhando a necessidade de “encontrar soluções concretas para a habitação acessível”, destacando ainda a importância de “ter o contrato de confiança”. Gonçalo Ponces, Head of Hospitality and Living da Dils Portugal, contextualizou a evolução do Build to Rent, assinalando que, apesar de “o modelo funcionar noutros países”, importa questionar porque não avançou ainda em Portugal. O responsável referiu que “temos muito mais investimento do que tínhamos há alguns anos” e que “temos modelos de arrendamento acessível e aberto que dão confiança aos investidores”.
A fiscalidade foi apontada como o maior entrave: “23% sem dedução, ao invés dos 10% em Espanha (4% se acessível)”. Gonçalo Ponces destacou ainda os novos incentivos ao BTR anunciados pelo Governo, como o IVA a 6% e as isenções de IMT, IMI e AIMI, acrescentando que “seria interessante também canalizar ou premiar investimento de GV em BTR e habitação acessível, considerar o uso de habitação para arrendamento em PDM, premiando em índice e capacidade construtiva, ou incentivar a procura no arrendamento através de deduções fiscais, por exemplo”.
Por outro lado, Raquel Maia, vice-presidente da Porto Vivo SRU, focou-se nas soluções do município, defendendo que “é no segmento médio que está a faltar a oferta”. Explicou que “na habitação social o investimento deve ser eminentemente público, mas na habitação acessível a resposta pode e deve ser dada pelo setor privado”. Quanto aos projetos de arrendamento acessível, referiu que “temos um primeiro projeto assinado com a Ageas e um segundo com a Lusares – Sociedade Imobiliária, em Campanhã. O modelo é exatamente o mesmo e esperamos tê-lo concluído dentro de 2 a 3 anos”.
“Só a articulação entre público e privado permitirá aumentar a oferta”
Na mesa-redonda, moderada por Bento Aires, Manuela Álvares, presidente da Matosinhos Habit e vereadora em Matosinhos, começou por recordar que o município “tem o mesmo desígnio dos outros municípios” e que “só a articulação entre público e privado permitirá aumentar a oferta”. Explicou as dificuldades enfrentadas: “lançámos o Matosinhos Casa Acessível, mas não temos escala, é muito difícil gerir o património”, acrescentando que muitas casas “são colocadas no mercado a um preço superior”. Sublinhou ainda que o relançamento das cooperativas continua a ser objetivo e que temos “muitas casas devolutas que precisam de ir para o mercado, mas precisamos de estabilidade e previsibilidade, porque caso contrário, não conseguimos”.
Manuela Álvares afirmou que, “no nosso programa, queremos fazer 1.500 casas num mandato”, mas reconheceu que tal só será possível em modelo misto: “parte é público-privada e cooperativas”. Quanto ao novo pacote fiscal, “tudo o que venha para tornar o investimento público e privado mais interessante é bem aceite”, sublinhou.
Alexandre Fernandes, Executive Director Developments da Sonae Sierra, afirmou que “a rendabilidade ainda não acontece, não está adequada ao respetivo risco”. Considerou desproporcionados os custos fiscais e elevados os custos de construção, defendendo que as medidas anunciadas pelo Governo “podem ser o gatilho necessário para o setor arrancar”, mas “devem vir devidamente coordenadas para que consigamos resolver o problema a longo prazo”.
Raquel Maia, vice-presidente da Porto Vivo SRU, reafirmou o objetivo de “quadruplicar a oferta nos próximos anos”, insistindo que “o mais importante é mesmo a estabilidade”. Elogiou a forma como está prevista a isenção de IVA a 6%, embora ressalvando que “só vamos ter os privados a trabalhar connosco nesta resposta se o modelo for interessante”. Para a responsável, “estabilizar este modelo é importante” e “os municípios devem intermediar e garantir a gestão dos contratos ao longo dos próximos 10 anos”.
O mercado foi analisado por Fernando Ferreira, Partner Commercial Real Estate da Dils Portugal, que lembrou que “há demasiados anos que dizemos a mesma coisa”: o Estado tem de “abdicar de parte da receita fiscal para captar investidores”, e os privados “têm de ganhar dinheiro”. Acredita, no entanto, que o momento atual é favorável: “acho que no próximo ano vamos falar em mais projetos que estão a acontecer, fazem sentido em zonas onde há mais pressão demográfica”. Para os investidores, o essencial é saber “como entram e saem no negócio”, sublinhando que a previsibilidade “é o mais importante”.
A perspetiva jurídica foi apresentada por Benedita Pessanha, associada sénior da Abreu Advogados, que apontou entraves como “instabilidade legislativa, demoras e atrasos nos processos de licenciamento” e o “risco financeiro e operacional”. Defendeu a necessidade de “dar uma volta às normas do arrendamento, aos benefícios fiscais, recorrer às parcerias público-privadas”, acrescentando que “é preciso que os contratos que são feitos sejam bem feitos, claros, com obrigações e direitos e garantias”.