Esta foi uma das principais conclusões da conferência “Habitação acessível e inclusiva”, que decorreu no segundo dia da Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa, e que contou com a participação da secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves, no debate com os especialistas.
A governante afirma que «garantir direito à habitação é uma responsabilidade do Estado», e defende a «criação de uma política de habitação robusta», com prioridade à criação do parque público de habitação. Mas admite que «o caminho é longo, e não conseguimos criar respostas de um dia para o outro. O PRR dá-nos um financiamento acrescido, nomeadamente 774 milhões de euros previstos para reabilitar o património do Estado e apoiar os programas dos municípios (empréstimos), mas isso é só o início de um investimento que se quer a longo prazo».
Na resposta do curto prazo, o Governo aposta no Programa de Arrendamento Acessível, que dá benefícios fiscais aos privados que colocarem os seus imóveis com rendas abaixo da mediana do mercado, apesar de ter ainda um número de contratos firmado muito reduzido.
A promotora imobiliária francesa Nexity, experiente no mercado de arrendamento acessível em frança, tem estado atenta aos programas portugueses, e quer entrar no mercado português, como atesta Fernando Vasco Costa, da Nexity Portugal: «É uma grande prioridade nossa. Estamos a desenvolver cerca de 1.500 fogos neste momento, e estamos muito perto de conseguir concretizar um projeto-piloto. Estamos a analisar várias possibilidades, algumas com terrenos nossos, outras com terrenos da Câmara Municipal de Lisboa», revela. «Há várias maneiras de fazer» habitação acessível, e garante que «nas nossas contas, com os incentivos já existentes, poderá ser possível fazer negócio». Sobre o risco deste mercado, lembra que «com rendas baixas, o risco diminui bastante, e isso pode aliciar mais os investidores».
A “tempestade perfeita” que agudizou as dificuldades no acesso à habitação nas cidades nos últimos anos também «criou uma oportunidade histórica para os investidores apostarem na habitação acessível», considera o responsável, até porque este é um mercado muito significativo.
Aponta, no entanto, a necessidade de alguns ajustes práticos, como a agilização do benefício do IVA a 6% nesta construção.
Paula Sequeira, da Savills, apresentou um breve contexto deste mercado, e destacou que «este é cada vez mais um setor estável para investir, em especial depois da pandemia». Acredita que o setor «merece muita atenção, pois a falta de habitação pode ter grande impacto nas comunidades como um todo. Tem um grande potencial de crescimento e é um setor extremamente interessante».
“Existe espaço para o encontro de vontades”
Pedro Baganha, vereador do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto, um município que tem os seus próprios programas de habitação acessível, defende que «existe espaço para o encontro de vontades», e que «construir cidade é construir habitação». Considera que «temos em curso uma política pública de habitação e não uma política de habitação pública».
O acesso à habitação é uma das prioridades da autarquia do Porto. «Se não apostarmos numa política destinada precisamente a esta classe média, arriscamo-nos a ter territórios entre os muito pobres e os muito ricos, é a receita do desastre para o bom funcionamento do território», defende Pedro Baganha.
A autarquia tem em curso vários benefícios à promoção de habitação privada, nomeadamente medidas de descriminação positiva para a criação de rendas acessíveis, subsidiação de rendas, uma política de redução de custos de contexto ou de otimização das operações urbanísticas. Por outro lado, aposta na promoção pública direta, e também em parcerias com privados, nomeadamente através da disponibilização de solo municipal para «promoções mistas», ou o próprio programa Porto com Sentido.
Mas Pedro Baganha acredita que «falta-nos financiamento. Estamos a olhar com muita atenção para o PRR, tem dotação interessante para a habitação, mas apelamos à criação de linhas de financiamento específicas, porque a promoção pública é também fundamental».
“O que está a ser feito já veio tarde”
O Programa de Arrendamento Acessível já está no terreno, mas o número de contratos ainda é muito reduzido, e Marina Gonçalves admite que não atingiu ainda as expectativas, e que «temos de continuar a trabalhar para tornar o programa atrativo».
Por outro lado, o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado já foi criado há vários anos e também ainda não há casas entregues: «os passos iniciais continuam a ser dados, como a identificação dos imóveis, que precisam de alteração do uso do solo, de PIPs (em curso), e se tudo correr bem já estamos numa fase adiantada do início, mas não é uma fase fácil».
Marina Gonçalves considera que «o que está a ser feito já veio tarde», recordando décadas de ausência de políticas públicas de habitação, ou de bonificação de juros para compra de casa. «Mas defende que «as políticas públicas demoram o seu tempo».
«Neste momento, não estamos a cumprir o nosso objetivo de política pública. O Estado tem vontade de promover o parque público, o que não se fez nas últimas décadas, e os promotores querem também encontrar respostas para a população, e isso é importante para encontrarmos respostas conjuntas para este trabalho», completa.
A secretária de Estado salienta, por fim, «a importância da vontade de todos contribuirmos para as políticas púbicas de habitação», e reitera que «todo o investimento que estamos a fazer tem necessariamente de ser sustentável e de assentar no arrendamento».
Pedro Baganha destacou que «mesmo que corra tudo bem, estamos a falar de um produto que demora 3 a 4 anos, no mínimo, a colocar no mercado, desde que se descobre o terreno. Para os municípios é crítica a fase antes disso, nomeadamente na escolha dos projetistas e procedimentos estipulados. Às vezes parece que nada está a acontecer, porque nada saiu dos gabinetes. Mas está».
E defende que «a esfera pública pode eliminar o risco do promotor, interpondo-se entre o promotor e o arrendatário, como no Porto com Sentido». O programa deverá entregar apenas 175 imóveis até ao final deste ano, mas Pedro Baganha também defende que «é pouco, mas é um percurso».
Acessível tem de ser também sustentável
Aline Guerreiro, do Portal da Construção Sustentável, coorganizador desta conferência, salientou que «toda a habitação acessível e social deveria ser o verdadeiro exemplo de sustentabilidade na construção». Explica que «são edifícios que irão gerar economia de recursos, nomeadamente faturas de energia e de água mais baixas. Se vamos reabilitar tanto parque habitacional, que isso seja feito a pensar na sustentabilidade do edifício, com materiais duráveis, inócuos à saúde, de baixa manutenção, que pensem na eficiência energética do edifício». Remata que «tudo isto é o mais indicado para quem tem rendimentos mais baixos».
Fernando Vasco Costa recorda também que os investidores «têm todos esses critérios de sustentabilidade e certificações». E reforça que «é possível» fechar a conta.
Assista aqui à conferência completa: