A última sessão do primeiro dia da Semana da Reabilitação Urbana do Porto destacou a promoção de mais de 50.000 habitações públicas, atualmente em fase de projeto e construção, um grande desafio para as empresas de construção e para a atividade industrial em geral. Sob o título “Balanço da nova promoção de habitação pública – A oportunidade para a fileira da construção”, a sessão foi aberta por Álvaro Santos, CEO da Agenda Urbana, que sublinhou a relevância do momento atual. «Esta é uma oportunidade muito importante para todos respondermos a este desafio colossal», afirmou.
Benjamim Pereira, presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), sublinhou que «a cidade, como qualquer organismo vivo, precisa muito de atenção». No seu discurso, apontou a necessidade de todos os agentes – desde o setor público ao privado – trabalharem em conjunto, com destaque para o papel determinante do poder político. «O IHRU é apenas um desses agentes. Somos a entidade pública promotora da política nacional de habitação, tutelados pela Secretaria de Estado e pelo Ministério das Infraestruturas e Habitação», explicou.
PRR como catalisador para políticas habitacionais
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) surge como uma «oportunidade para alavancar financeiramente» programas de apoio habitacional, como o 1.º Direito, Porta de Entrada e Porta 65. «O 1.º Direito está presente em praticamente todo o território nacional, com mais de 59.000 fogos em candidatura e mais de 1.600 já entregues às famílias», detalhou, apontando ainda a importância do Porta de Entrada, operacionalizado com 123 protocolos institucionais, e do Porta 65, com 33.000 beneficiários.
“Já foram concluídas obras de reabilitação em mais de 13.000 habitações, estão em curso outras 600, e outras tantas em várias fases de projeto. Os nossos esforços estão na redução do número de habitações vagas ou ocupadas abusivamente”
«Não foi preparada resposta para estas exigências e necessidades dos cidadãos. Impõe-se uma reestruturação deste organismo, da qual já estamos a tratar, para melhor responder aos cidadãos», declarou o presidente do IHRU, assinalando a intenção de ajustar a estrutura interna do instituto para dar resposta à crescente procura.
IHRU está a ser reestruturado
Referindo-se aos recursos humanos, o presidente do IHRU reconheceu as pressões enfrentadas pela equipa: «encontrei pessoas muito boas, com muita capacidade. São recursos humanos com qualidade nos quais confio para esta missão». Para cumprir as metas traçadas, o presidente do IHRU destacou a necessidade de «reforço da equipa», uma vez que «o trabalho é árduo e difícil, mas não somos pessoas de nos deixar abater», acrescentando que «estaremos disponíveis todos os dias para melhorar. Porque os portugueses merecem todo o nosso empenho e dedicação».
Desafio da promoção de habitação pública
O desafio da promoção da habitação pública continua a ser uma das grandes prioridades para os municípios, com investimento e inovação a surgirem como soluções chave para responder às necessidades de milhares de famílias carenciadas. Esta foi a mensagem central da mesa-redonda, que reuniu autarcas, empresários e especialistas da área.
“A industrialização da construção é a única maneira de não falhar completamente os objetivos”
Francisco Rocha Antunes, Fundador e Presidente Executivo da MOME, alertou para os desafios globais enfrentados pelo setor da construção, especialmente em termos de capacidade produtiva. «Estamos a atravessar uma fase muito desafiante na construção, estamos a construir tudo, e não só habitação. E mais concursos vão ficar desertos, porque não é possível responder ao desafio com a receita do costume», afirmou.
Para o Francisco Rocha Antunes, a solução passa pela industrialização da construção e pela adaptação das formas de produção. «Temos de ser capazes de construir off-site. Temos de mudar. Isso começa pela forma como projetamos, não podemos fazer casas para todos numa lógica de alfaiate, o que é bom para a qualidade da arquitetura, mas mau para a eficiência», referiu, acrescentando que «se queremos responder seriamente a este desafio fundamental, que é da sociedade e não só do imobiliário, temos de mudar a forma como o fazemos».
“A mão-de-obra que tínhamos antes não existe hoje, e isso aumenta os preços”
Na mesa-redonda, foi também discutida a escassez de mão-de-obra qualificada como um dos principais obstáculos para o cumprimento das metas. Nuno Fonseca, delegado da SANJOSE Constructora, considerou que a pressão sobre o mercado da construção é enorme, o que pode atrasar a entrega dos projetos. «É uma pressão muito grande sobre o mercado construtor, que provavelmente não terá forma de o cumprir no calendário exigido. Há iniciativas para alavancar a produção nacional de habitação, mas parece-me uma oportunidade um pouco perdida, pois os concursos a que temos assistido, alguns ficam desertos, e há motivos para isso: do ponto de vista da remuneração fica aquém do necessário, por exemplo».
Álvaro Santos, moderador do debate, recordou que o Construir Portugal prevê o financiamento dos tais 59.000 fogos, sendo que «isto vai implicar um desafio gigantesco para as empresas de construção, até porque há uma escassez significativa de mão-de-obra. É mais que duplicar o investimento inicialmente previsto. É um desafio muito grande».
Por sua vez, Ávila e Sousa, Diretor Técnico e Marketing do Grupo Preceram, destacou a importância da inovação e da adaptação das soluções tecnológicas para resolver os problemas da reabilitação. «Temos de nos atualizar e utilizar materiais tecnologicamente mais avançados, a preços mais baixos, que resolvem problemas relacionados com a reabilitação. Temos de perceber o que é suficiente e racional quando estamos a projetar e a construir. A nossa solução Volcalis, para fachadas, foi pensada assim, para atender às necessidades do mercado com baixo custo e escala». Ávila e Sousa referiu ainda, ao longo do debate, que «a construção mais leve não é uma menos-valia, é um progresso».
Municípios apostam na construção nova e reabilitação do parque habitacional
Jorge Vultos Sequeira, Presidente da Câmara Municipal de São João da Madeira, referiu que «já elaboramos e revimos a nossa ELH», destacando o investimento de 39 milhões de euros para apoiar os beneficiários carenciados da cidade. «Temos previstas várias soluções, como o arrendamento de privados para subarrendamento a famílias carenciadas, com rendas fixadas no modelo de arrendamento apoiado», afirmou. A Câmara de São João da Madeira tem apostado também na reabilitação do parque habitacional, adquirindo imóveis devolutos e reabilitando-os com financiamento do IHRU, sendo que «já fizemos isso com cinco imóveis, incluindo uma antiga fábrica de chapéus e uma antiga sede do SCP», acrescentou.
Ana Ozório, vereadora da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, destacou o compromisso da autarquia em investir na habitação pública, que passa por uma combinação de reabilitação e construção nova. «Santa Maria da Feira tem uma abordagem semelhante à de São João da Madeira, com foco em reabilitação urbana e na construção de novos projetos. Temos 50 milhões de euros destinados à construção nova e 60 milhões à reabilitação», explicou. A autarquia está a reunir imóveis devolutos e terrenos com capacidade edificativa para avançar com projetos em parceria com o PRR. «Queremos implementar estes projetos o mais rapidamente possível e avançar com as obras, esperamos os pareceres com a maior brevidade possível».
Importância da revisão dos Planos Diretores Municipais (PDM)
O debate também focou a importância da revisão dos Planos Diretores Municipais (PDM), com vários intervenientes a defenderem a necessidade de modernizar os instrumentos de gestão do território. «Os PDMs devem continuar a ser o instrumento privilegiado para decidir sobre a utilização do solo, mas temos de ter em conta os desafios da sustentabilidade», disse Jorge Vultos Sequeira. Já Ana Ozório considera que «temos de ter instrumentos de contratação pública e gestão do território que nos permitam desenvolver o território. Não faz sentido estarmos numa crise de habitação e não podermos fazer desenho urbano, com uma revisão de PDM que demora anos».
Francisco Rocha Antunes apelou à criação de condições para tornar os terrenos mais acessíveis e, assim, permitir uma habitação mais barata. «Para que as casas sejam mais acessíveis, os terrenos têm de ser mais baratos, não reduzindo sistematicamente a capacidade construtiva», disse.
Com soluções inovadoras e parcerias estratégicas, o setor da construção prepara-se para enfrentar um dos maiores desafios do país: garantir habitação acessível para todos. O caminho passa pela adaptação às novas realidades e pela criação de um mercado mais eficiente e sustentável.