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Licenciamento é “um problema do país. Precisamos de uma revisão integral”



                      Licenciamento é “um problema do país. Precisamos de uma revisão integral”
Este debate decorreu a 29 de março, na LX Factory

O tema do licenciamento urbano foi destaque no primeiro dia da Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa, numa altura em que é debatido também no âmbito da discussão do pacote “Mais Habitação” do Governo. «Isto mostra que ganhou importância na sociedade, e que o problema do licenciamento é um problema do país».

As palavras são de Hugo Santos Ferreira, Presidente da APPII, que participava no debate “Reforma do licenciamento urbano – é possível um Simplex?” a 29 de março, primeiro dia do evento. Segundo o responsável, «o licenciamento é decisório no investimento e tem grande peso na habitação. Os nossos governantes e a comunicação social entenderam que se trata de um problema de transparência, competitividade, de captação de investimento. Muitos portugueses não podem hoje suportar os custos da habitação, por causa do licenciamento».

«O licenciamento é decisório no investimento e tem grande peso na habitação»

Grande parte das medidas do pacote “Mais Habitação” foram aprovadas esta semana, mas as medidas relacionadas com o ordenamento do território e com a simplificação do licenciamento continuam em discussão até ao final deste mês. Hugo Santos Ferreira considera que algumas medidas apresentadas são positivas, mas outras «levantam vários problemas, como o anular do papel do licenciamento na arquitetura e especialidades. Temos de nos debruçar sobre essa matéria, e pensar se queremos mudar a lei ou a prática, provavelmente as duas coisas. Precisamos de fazer um processo de revisão integral da legislação, temos em 2023 um RJEU de 1951, mais de 300 regulamentos distintos, temos de uniformizar as regras, dentro do que for possível». E completa que «estamos em 2023, temos de apostar na digitalização, torna-la obrigatória no licenciamento, e o BIM é uma ferramenta essencial nesta atividade».

O presidente da APPII sente que «há vontade do Governo em melhorar a situação do licenciamento, mas é o momento de contribuirmos para esta discussão, de fazermos chegar as nossas preocupações. Todos devemos melhorar e temos obrigação disso, a cooperação bilateral é muito importante, e a Câmara de Lisboa tem feito um trabalho de formação aos promotores imobiliários e técnicos para que as taxas de aprovação melhorem». Mas, há que «eliminar as burocracias e transformar o licenciamento num processo mais autónomo».

Sofia Mourão, diretora municipal do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, esteve presente nesta discussão, relembrando o papel que a autarquia tem vindo a fazer no sentido de agilizar estes processos. Destaque para a criação da mesa de concertação municipal que ajuda a acelerar as decisões dos projetos de maior relevância: «já resolvemos mais de 60 processos, com rapidez podemos tomar uma decisão à volta da mesma mesa».

A responsável destaca também outras medidas concretas «decorrentes da verificação do fluxo de todos os processos e de tarefas redundantes, processo que está a ser levado a cabo com a ajuda do Instituto Kaizen. Foi também criado o programa As Minhas Obras, que estabelece um canal e fluxo específico para pequenas obras de habitação que «podem ser rapidamente decididas, fora do canal de processos mais complexos». Sem esquecer as melhorias na plataforma digital de submissão de processos.

E este ano a autarquia já diminuiu o passivo de projetos em aprovação. «Ainda temos um grande caminho pela frente, mas com uma normalização das normas, acreditamos que em 2023 a diferença entre decididos e passivo possa ser ainda maior». As melhorias só são possíveis «porque já temos dados, graças à implementação de um sistema de monitorização dos tempos».

“Não pode ser esquecido o papel dos municípios e do Estado”

Esteve em discussão nesta mesa redonda as novas medidas propostas para o licenciamento no programa “Mais Habitação”, nomeadamente a dispensa de licenciamento camarário dos projetos de arquitetura e engenharia, para os quais basta o termo de responsabilidade dos projetistas, propõe o Governo.

Para Gonçalo Byrne, presidente da Ordem dos Arquitectos, «é fundamental a agilização do processo urbanístico e verificar o cumprimento da regulação técnica da construção». Defende que «deve ser procurado o equilíbrio entre os controlos prévios e os controlos sucessivos, em função da escala e da complexidade das obras». Considera que nunca poderá haver uma única garantia da generalidade das obras, «dada a complexidade de agentes envolvidos». E acredita que é urgente «a criação de um novo código da construção, para tornar os procedimentos mais ágeis, que não coloquem em causa o investimento ou o respeito urbano e pelo património. Deve ser reforçado o papel das autarquias no planeamento e desenho urbano. Não pode ser esquecido o papel dos municípios e do Estado na mediação entre os interesses públicos e os interesses privados».


«É fundamental a agilização do processo urbanístico e verificar o cumprimento da regulação técnica da construção»

Fernando Almeida Santos, Bastonário da Ordem dos Engenheiros, considera que o termo de sustentabilidade associado à engenharia será suficiente, mas propõe a «corresponsabilização da entidade profissional», que poderá ser feita «através de vistorias técnicas aleatórias de projetos ou de pedidos a projetistas». E defende o certificado de engenharia, «um documento feito no final de uma obra de edificação, em que os projetistas e os fiscais subscrevem a boa execução da construção, e a OE confere um certificado de engenharia ao imóvel».

Já Augusto Ferreira Guedes, bastonário da Ordem dos Engenheiros Técnicos, reafirma que a OET «está de acordo com a simplificação do licenciamento, mas temos algum receio que este “simplex” se torne num “complex”. Conhecemos apenas ainda uma proposta de autorização legislativa. Se este modelo não for pensado com as câmaras municipais, não sabemos como pode ter sucesso». Defende também uma plataforma única «que acabasse com os livros de obra em papel», e saúda que «pela primeira vez, o Governo teve coragem de propor reforma estrutural de um problema da construção. Temos de dar contributos porque ninguém é detentor da verdade absoluta», conclui.

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