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Lei dos solos “não trará soluções para pôr fim à crise habitacional que vivemos”



                      Lei dos solos “não trará soluções para pôr fim à crise habitacional que vivemos”
Sessão “Nova Lei dos Solos – Construir em solos rústicos para ter mais habitação”.

Na sessão de apresentação e esclarecimento sobre a nova Lei dos Solos, as alterações propostas à lei receberam duras críticas de Hugo Santos Ferreira, Presidente da APPII. «Os promotores e os investidores imobiliários consideravam que esta poderia ter sido uma boa lei, inserida naturalmente num pacote de medidas que, eu diria, teria como principal destaque a revisão do Simplex. Além disso, deveria contemplar um IVA ajustado para a construção de habitação, que, na verdade, tinha como fim último trazer mais casas aos portugueses», afirmou Hugo Santos Ferreira, destacando que as «intenções iniciais eram positivas, mas com a limitação das alterações, o potencial da lei fica comprometido».

“Terá o nosso Parlamento 'matado' esta lei, antes mesmo de ela nascer?”

Para o responsável pela APPII, a principal questão que se levanta é se as alterações feitas acabam por limitar a capacidade de resolver o problema da habitação. «A primeira questão que se levanta é se estas alterações terão, ou não, vindo a limitar, e eventualmente até pôr fim, ao potencial de resolver o problema da habitação ou, pelo menos, de contribuir para a sua resolução. E diria até mesmo, em termos de aplicabilidade prática, que esta nova alteração legislativa poderia ter», frisou.

Segundo o responsável, as alterações aprovadas «parecem ditar que esta proposta de alteração e a lei de dinamização de mais oferta de solos rústicos e urbanos para construção de habitação poderá representar uma perda de potencial na sua aplicação. Esta é uma lei que não trará soluções para pôr fim à crise habitacional que vivemos», explicou.

Perante uma plateia composta, Hugo Santos Ferreira não poupou críticas ao regime de habitação a custos controlados, que, segundo ele, continua a ser um processo «extremamente complexo e burocrático, que mal funciona, sendo, portanto, mais uma pedra na engrenagem», lamentou. 

O Presidente da APPII reforçou a necessidade de mudanças significativas nas condições de construção. «Arrendamento acessível? Claro que sim. Habitação acessível, seja para venda ou para arrendamento? Claro que sim. Mas insisto: sem alteração dos custos que hoje se aplicam na construção de habitação, sem a libertação de terrenos a custo zero por parte do Estado, no exercício da sua função social para a construção de habitação designada como acessível, é impossível», evidenciou.

Destacou ainda «esta invenção que agora os nossos parlamentares quiseram fazer, exigindo a demonstração de viabilidade económica ou financeira, e até mesmo a prova de financiamento, quando ainda não existe sequer projeto. Qual é o banco que dará luz verde a um qualquer projeto quando ele nem sequer existe e não há informações sobre ele aquando da conversão de solo rústico em urbano?», questionou. 

“O que podemos dizer é que esta não será ainda a grande medida que trará mais casas aos portugueses. Se a proposta do Governo teria pouco impacto, então com estas alterações dos nossos parlamentares, ela ficará sem efeito algum”

Apesar de reconhecer as intenções positivas da lei original, Hugo Santos Ferreira não escondeu a sua decepção com a forma como a proposta foi alterada. «A lei dos solos tinha uma base positiva e desejávamos honestamente que fosse aprovada. Mas também já sabíamos, e já o tínhamos dito, que, por si só, não seria suficiente, não resolveria a questão», disse.

Por fim, defendeu que o setor imobiliário «não pode ser visto como o 'mau da fita’. O nosso setor está constantemente a ser atacado. Não podemos ser vistos como aqueles que não querem resolver o problema da habitação. Representamos 15% do PIB nacional e queremos construir a casa que os portugueses podem pagar. Nunca seremos parte do problema; seremos sempre parte da solução», reiterou.

Numa apresentação realizada pelo Morais Leitão, João Pereira Reis, Sócio da ML, considerou que este debate público em torno da lei dos solos «começou mal, pois arrancou como se se tratasse de uma alteração à lei, o que não é o caso. Foram-lhe atribuídos consequências e efeitos que, na realidade, não tem. Não existe qualquer nexo de causalidade entre o que está na lei e aquilo que foi dito no espaço público». Se analisarmos o diploma, «não se trata de uma reforma estrutural, na verdade, o que o Governo fez foi simplificar instrumentos jurídicos já existentes. Na minha perspetiva, fê-lo bem», enfatizou.

Por outro lado, Miguel Arnaud de Oliveira, Consultor da Morais Leitão, referiu que «a principal vantagem destas alterações foi trazer a questão para debate, mas não sei se, no final deste processo, teremos um mecanismo mais simplificado do que o que existia para a reclassificação do solo com fins habitacionais».

Mesa-redonda de debate

Durante a mesa-redonda de debate moderada por Ricardo Guimarães, Diretor da Confidencial Imobiliário, várias questões foram levantadas sobre a eficácia da lei dos solos na criação de mais habitação e de mecanismos que favoreçam tanto o setor público quanto o privado.

Filipa Roseta, Vereadora da Habitação e Obras Municipais da Câmara Municipal de Lisboa, destacou uma das principais falhas que identificou na nova legislação. «Quando li a lei publicada em dezembro, a minha maior preocupação foi a ausência de um parecer das CCDRs para a retirada de terrenos da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional (RAN). Foi uma falha de raciocínio», considerou, acrescentando que «sempre foi possível retirar terrenos da REN e da RAN: há um escrutínio municipal seguido de uma verificação nacional. Para reservas nacionais de solo, esse duplo controlo é absolutamente determinante. Por isso, pareceu-me um erro eliminar o escrutínio nacional e deixá-lo apenas a nível municipal».

«O que me parece ter acontecido agora é que a CCDR emite um parecer, mas este não é vinculativo. Ótimo. Se houver uma falha técnica, haverá alguém para rever o trabalho do técnico. E isso é positivo, foi um passo positivo com esta alteração parlamentar», referiu a vereadora.

Lisboa "não é afetada pela lei dos solos"

A Câmara Municipal de Lisboa não é, no entanto, diretamente afetada pela nova legislação, uma vez que, segundo Filipa Roseta, «não temos nenhum solo que possa estar nesta natureza». No entanto, ter 30% de mercado livre e 70% de habitação a custos controlados ou de renda acessível «já me parece bastante razoável para viabilizar um negócio», acrescentou.

A vereadora também abordou a questão do IVA na construção, referindo que «inicialmente, tinha muitas reservas quanto à redução do IVA na construção, mas toda esta confusão só veio alterar a minha convicção: essa redução é essencial, pois esse é o verdadeiro problema. Se o IVA na construção fosse de 6%, seria uma medida muito mais simples. Sem necessidade de ajustes ou interpretações, baixava-se os preços da construção», concluiu.

Joaquim Lico, CEO da Vogue Homes, trouxe uma perspetiva crítica à proposta, considerando que, «mais uma vez, estamos a aplicar pensos rápidos. Não há uma solução de raiz pensada». Para o responsável, «é necessário que existam mais fatores e instrumentos que permitam que, tanto o setor privado como o público, possam vir a oferecer habitação a custos controlados». O CEO da Vogue Homes defendeu que não basta apenas libertar terrenos, sendo necessária uma «política mais abrangente, de forma a tornar possível a construção a preços mais reduzidos. É fundamental que existam outras políticas associadas a estas medidas avulsas». Falta na lei dos solos «um mecanismo que também estipule o preço máximo para os terrenos reclassificados», considerou.

Na mesma linha, Aniceto Viegas, CEO da Avenue, referiu que «esta lei dos solos gerou um debate interessante, despertando muitos ânimos em vários aspetos. Sempre encarei esta lei como um instrumento complementar, que permitiria, dentro do mercado, oferecer uma oferta a um preço mais moderado». O responsável também destacou a importância de atacar a fiscalidade, referindo que «a redução de custos não se aplica apenas à construção, mas também à fiscalidade dos custos indiretos. Devemos atacar a fiscalidade para reduzir os custos e também otimizar o tempo, para que a disponibilização seja mais rápida», explicou.

A questão da promoção da habitação para a classe média também foi abordada pelo CEO da Avenue. «A questão da promoção para a classe média envolve três fatores: o custo do terreno, a fiscalidade e o tempo. Muitas vezes se diz que a redução do IVA só aumentará o lucro do investidor. Então, desafiem-nos! Vão ficar surpreendidos com os efeitos», disse.

Até que ponto pode o HCC ser melhorado?

Rui d'Ávila, Administrador da GFH, referiu que «a habitação a custos controlados (HCC) e o Programa de Arrendamento Acessível não são extensíveis a todo o território, nem todos os locais permitem que o promotor privado desenvolva HCC ou arrendamento acessível, porque não é financeiramente viável», afirmou. O HCC «está pendurado no coeficiente de localização do código do IMI e o arrendamento acessível está pendurado na mediana das rendas locais que é deturpada».

Em resposta à questão sobre até que ponto o HCC pode ser melhorado, Rui d'Ávila evidenciou que «o principal problema do HCC neste momento é o estrangulamento do IHRU; não há resposta rápida, e a rapidez é fundamental. O projeto de HCC segue um raciocínio bastante elaborado, mas existem alguns melhoramentos que podem ser feitos».

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