São prioridades nacionais a mitigação da pobreza energética, o aumento do conforto térmico e a redução da fatura energética em todo o parque de edifícios existentes. A que ritmo está a ocorrer a descarbonização do setor e a transição verde no mercado imobiliário nacional? Estão os promotores, investidores, o setor dos materiais e outros intervenientes alinhados com este desafio? Estas e outras questões foram examinadas na sessão "A redução de carbono na promoção imobiliária. O que nos espera o futuro", no segundo dia da Semana da Reabilitação Urbana do Porto.
Setor imobiliário "é vital" para atingirmos a neutralidade carbónica
Bruno Veloso, Vice-Presidente da ADENE, na abertura da sessão, realçou que o setor imobiliário «é vital para atingirmos a neutralidade carbónica em 2050 ou 2045» e que a reabilitação e a eficiência energética «devem ser uma prioridade para Portugal, sendo uma forma de melhorar a qualidade de vida das pessoas e de tornar as cidades mais resilientes». E a que ritmo está a decorrer esta transição? Bruno Veloso sublinhou que Portugal e a União Europeia «têm respondido a estes desafios com medidas relevantes, desde a criação da nova legislação até aos apoios à reabilitação urbana», porém «sabemos que nunca são suficientes, o parque de edificado é ainda muito ineficiente do ponto de vista energético».
O Vice-Presidente da ADENE expressou otimismo em relação à transformação do parque habitacional português para uma vertente mais verde: «até 2050, ou mesmo em 2045, acredito que a maioria dos edifícios em Portugal cumprirá os padrões de eficiência energética. O desafio que a construção e o setor imobiliário terão de enfrentar reside na capacidade de se adaptarem à descarbonização deste setor»
O Vice-Presidente da ADENE mostrou-se esperançoso de que o parque habitacional português «será cada vez mais verde. Em 2050, ou em 2045, acredito que a maioria dos edifícios em Portugal estarão de acordo com os mais elevados padrões de eficiência energética. O desafio que a construção e imobiliário terão de enfrentar é a capacidade de se adaptarem à descarbonização deste setor». Neste sentido, para que a transição verde do setor «seja um sucesso», todos os intervenientes do setor «devem manter-se mobilizados», completou.
Inquérito à Promoção Imobiliária
Após o discurso de Bruno Veloso, decorreu a apresentação dos resultados do "Inquérito à Promoção Imobiliária" sobre desafios da descarbonização pela Reynaers Aluminium e Saint Gobain. De destacar que, no inquérito realizado juntamente com a APPII e a Confidencial Imobiliário, «nenhum promotor disse que a sustentabilidade não é importante», enfatizou Ricardo Vieira, Managing Director da Reynaers Group, e que o mercado «já reconhece o valor de uma promoção sustentável». De acordo com o inquérito, 30% do cliente final «está disponível para pagar algo mais por uma solução sustentável».
Ricardo Vieira evidenciou que «é possível construir edifício eficientes tecnicamente e simultaneamente com baixo carbono incorporado» e que esse «é o propósito da sustentabilidade». Afirmou que «estamos convencidos de que, juntamente com o setor imobiliário, vamos potenciar esta correta reutilização dos materiais. É por este caminho que queremos ir».
Na segunda apresentação, Nuno Fideles, Head of Sustainability da Savills, mostrou-se também otimista de que «é possível descarbonizar», sendo uma «prioridade para reduzir o impacto ambiental». A reabilitação, neste sentido, «pode ser mais económica e sustentável do que a construção de novos edifícios», acrescentou.
«Não podemos construir e tipificar edifícios: um edifício em Lisboa é diferente do edifício construído no Porto. Temos de analisar os impactos climáticos ao longo do país e dos vários locais onde construímos», disse Nuno Fideles, alertando os promotores de que «é fundamental olharmos para os estudos necessários antes sequer de lançar o projeto, por exemplo, perceber o local onde estamos, onde vamos construir, que afetação vai ter a precipitação e a exposição solar etc.».
Promotores encaram a descarbonização como prioridade
«Se perguntarmos a cada um de nós se o combate às alterações climáticas e a descarbonização são prioridades da nossa vida, todos responderíamos que afirmativamente. Os próprios promotores encaram a descarbonização como uma prioridade», relevou Hugo Santos Ferreira, Presidente da APPII.
Atualmente, o segmento comercial (não residencial), principalmente muito ligado a ativos de rendimento, «tem as maiores preocupações ambientais», realçou, acrescentando que o segmento médio-alto e alto tem «maiores preocupações ambientais, até porque o consumidor final vai exigir também do promotor imobiliário, dessa classe de ativos, as maiores preocupações ambientais».
«Nestes segmentos estamos bem», disse Hugo Santos Ferreira, todavia «quem paga a sustentabilidade nas classes médias e médias baixas? É neste ponto que verdadeiramente nos temos de preocupar». Em matéria de cumprimento de metas, «tenho arriscado dizer publicamente que não as vamos cumprir: nos segmentos residenciais de classes médias não as conseguiremos cumprir, pois não há quem consiga suportar esses custos, especialmente num contexto de inflação e aumento das taxas de juro». Neste sentido, o Presidente da APPII deixa a seguinte questão para reflexão: «o que está a ser feito, em matéria de política pública, para termos mais edifícios verdes acessíveis? Esta é a grande questão».
"Descarbonização dos edifícios e redução significativa do consumo"
«Portugal possui atualmente uma estratégia de longo prazo para a renovação dos edifícios, que estabelece uma métrica e uma abordagem para monitorizar a evolução do consumo e da descarbonização. Resumiria essa estratégia em duas métricas: a completa descarbonização dos edifícios, contribuindo para os objetivos de 2050, e a redução significativa do consumo, visando transformar esses edifícios em estruturas neutras», clarificou Rui Fragoso, Diretor de Edifícios e Eficiência de Recursos da ADENE.
Nesta lógica, «temos tido um quadro de incentivos financeiros que tem alavancado bastante esta dinâmica: em 2021, tivemos 3 milhões de metros quadrados renovados e, em 2022, 9 milhões de metros quadrados renovados. Dá-nos uma dimensão que é aparentemente grande e demonstra muita da aplicabilidade desses fundos», considerou.
Como estamos do ponto de vista do consumo e da descarbonização?
«Um edifício construído hoje apresenta oito vezes menos necessidades de energia e promove cinco vezes mais energias renováveis em comparação com edifícios antigos», indicou Rui Fragoso. Quanto ao ciclo de vida da descarbonização, esta possui «cinco etapas: produto, processo de construção, fase de uso, fase de fim de vida e fase de potencial reutilização».
O desafio que temos, até o final desta próxima década, «é incorporar os aspetos que foram aqui mencionados: como abordamos o carbono incorporado em todas estas fases e como garantimos que os edifícios novos sejam verdadeiramente descarbonizados ao longo de seu ciclo de vida», completou.
"É através da inovação que conseguimos ter edifícios mais sustentáveis"
No ponto de vista dos materiais, «a questão dos custos tem muito que ver com o ciclo de vida dos produtos», avaliou Ricardo Vieira, Managing Director da Reynaers Group. «Se uma janela tiver um ciclo de vida de 15 anos, a sua pegada de carbono é o dobro da janela com um ciclo de vida de 30 anos. Estas considerações são tidas em conta a jusante. É na conceção do produto que esta questão tem de se ter em conta».
Ricardo Vieira compreende que «ter um produto mais amigo do ambiente não significa necessariamente que seja mais caro, sendo crucial analisá-lo ao longo de todo o ciclo de vida» A inovação e a sustentabilidade «também se refletem na oferta de um ecossistema de serviços capaz de informar o cliente sobre o que o produto proporciona».
No caso dos edifícios, «todos os custos que podem ser incorporados desde o início tendem a diluir-se por bastante tempo. Portanto, temos de abordar esta questão com uma perspetiva de longo prazo», referiu Rui Oliveira, Diretor de Operacões, Saint Gobain Glass Portugal. Quanto à inflação, «não atinge edifícios com estas características sustentáveis, mas sim a construção de modo geral. A inflação tende a penalizar de imediato o custo de energia, bem como o rendimento de quem vai adquirir».
Nuno Fitas Mendes, Administrador da Portgás, realçou que o compromisso da empresa passa por «restruturar a sua infraestrutura de distribuição, de forma a estar apta para receber gases renováveis, neste caso, o biometano e o hidrogénio». Até ao final do ano, «devemos ter prontas certificações por terceira parte para 20% do hidrogénio e para o próximo ano 100% de hidrogénio. Mas isto não significa que no próximo ano vamos ter uma rede 100% hidrogénio, pois ainda não existe produção suficiente e Portugal partiu tarde para o biometano». Quando se fala em reestruturação da rede, trata-se de «preparar a rede para incorporar até 20% de hidrogénio rapidamente e, a longo prazo, alcançar até 100%», completou.