A habitação acessível esteve no centro do debate desta quarta-feira, na Semana da Reabilitação Urbana do Porto, numa mesa-redonda que reuniu representantes de ordens profissionais e associações do setor.
Paulo Caiado, presidente da APEMIP, alertou para o facto de que “há um grande problema no acesso à habitação. A maior parte são casas usadas, mais de 80% das transações habitacionais. Significa que alguém vendeu, maioritariamente por questões sociológicas”, afirmou. Acrescentou ainda que “este ano teremos previsivelmente 38.000 milhões de euros transacionados, e a banca vai financiar metade deste valor. Isto significa que a grande alavanca que está a impulsionar o mercado são os proveitos da venda de casa”.
Para Hugo Santos Ferreira, presidente da APPII, a estabilidade regulatória é condição essencial para atrair investimento em arrendamento acessível. “O arrendamento é uma das formas para resolver parte do problema da habitação no curto prazo”, afirmou, defendendo que “é muito importante a questão da previsibilidade e da estabilidade. Isso é o mais importante de tudo, mais do que medidas específicas”.
A propósito da redução do IVA para 6% na habitação acessível, sublinhou que “o que está no Parlamento é uma habitação acessível para o país inteiro. Agora, precisamos que seja efetivamente aprovado no Parlamento. É crucial para habitação acessível. Sem estes dois pontos, não temos habitação acessível. Agora compete aos deputados fazer aprovar essa medida: temos de pressionar o Parlamento a aprovar esta medida quando ela lá chegar”. Defendeu ainda a criação de “uma garantia pública do Estado” para permitir a existência de um seguro de renda com garantia do Estado. “Pode haver um trade-off. Quem fizer pode ter benefícios fiscais, por exemplo, para incentivar isso e não aumentar o valor das rendas”, explicou.
Bento Aires, presidente da Ordem dos Engenheiros – Região Norte, explicou que “temos duas crises: uma é da qualidade da habitação, e outra de acesso. Produzimos menos, reabilitamos menos, temos mais residentes, e um setor abandonado nos últimos anos”. O solo continua a ser um fator crítico, afirmou Bento Aires, sublinhando que “precisamos de muito mais capacidade construtiva, de construir em altura, fazê-lo para todo o tipo de habitação, não só acessível”. Falou também sobre o licenciamento, que descreveu como um dos maiores bloqueios atuais, bem como o reforço de exigências técnicas, que continua a suscitar preocupação. Quanto à fiscalidade e aos impostos, o responsável considera que “o imobiliário tem sido a galinha dos ovos de ouro. É altura de rever taxas e receitas”.
Por outro lado, José Manuel Sousa, bastonário dos Engenheiros Técnicos, destacou a importância da eficiência energética, mas apelou a uma abordagem equilibrada. “Temos uma faixa importante de população carenciada, com pobreza energética”, afirmou. “O custo da implementação de medidas que visam o controlo dos gastos na climatização das casas não é tão relevante relativamente a outros custos como impostos ou solo”. O bastonário adiantou que “estamos a trabalhar com a Agência Europeia da Energia, estamos a rever a legislação do comportamento térmico dos edifícios, e há que considerar a envolvente opaca, que deve manter um certo investimento”, defendendo que “seria interessante valorizar o que é imutável ao longo do tempo – a envolvente dos edifícios – e depois eventualmente ter algumas variáveis nos equipamentos”.
Para Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitectos, a simplificação administrativa é essencial, mas exige cuidado. “A revisão do RJUE/Simplex visa a simplificação dos procedimentos administrativos, mas o diabo está nos detalhes e nas alterações de última hora”. Manifestou também preocupação com a redução do IVA, notando que “preocupa-me que a questão do IVA a 6% não se reflita no consumidor final”. Em relação ao PRR, alertou que “a habitação pública é pouca, 2 a 3%. Este programa do PRR pode induzir algumas pessoas em erro, não são 26.000 casas novas, 75% são reabilitação”, sublinhando ainda que “sem o setor privado e sem o ecossistema da construção a entrar no mercado da habitação, não vamos resolver nem a médio prazo”.
No encerramento da mesa-redonda, Paulo Caiado voltou a enfatizar a necessidade de melhorar o regime do arrendamento, sublinhando que a prioridade passa por dar segurança às partes: “os senhorios não querem despejar ninguém, querem ter as casas restituídas quando a outra parte não consegue cumprir o contrato”. Segundo o responsável, “100.000 imóveis que entrem no mercado de arrendamento poderão ter um impacto enorme no mercado”.
Já Hugo Santos Ferreira enfatizou que “o problema da habitação resolve-se em várias frentes e com várias velocidades. O IVA não vem no Orçamento do Estado porque este já está esgotado para o próximo ano; a medida será colocada em discussão depois de o documento ser aprovado. Os efeitos que se pretendem carecem de algum tempo. Esse efeito vai chegar aos portugueses, mas isso requer tempo, que se lancem mais projetos e que se alargue a base tributária”.
Cooperação e investimento para responder aos desafios do novo ciclo autárquico

Na mesa-redonda dedicada aos desafios do novo ciclo autárquico, Manuela Álvares, vereadora da Câmara Municipal de Matosinhos, destacou que “queremos consolidar a nossa política de habitação, continuar a tentar as parcerias público-privadas, contar com a tutela como ponto central”, sublinhando ainda que “o futuro da política de habitação depois do PRR é também muito importante”. A vereadora frisou também que é essencial “cooperar a nível metropolitano; a gravidade do problema é tão grande que sei que teremos todos essa intenção”, sendo necessário um esforço coletivo para tornar viáveis soluções como as cooperativas de habitação. “Facilitámos terrenos, projetos, impostos e financiamento, mas não foi possível. É um assunto para tratar a nível nacional, todos em conjunto”, sublinhou Manuela Álvares.
A vereadora Gabriela Queiroz, da Câmara Municipal do Porto, reforçou a importância de uma abordagem integrada. “O Porto é um bom exemplo de que já existem mecanismos e ferramentas necessários, mas falta intensificar tudo isso e colocar tudo a funcionar de forma articulada, a nível municipal e supramunicipal”, afirmou. Defendeu ainda que a política de habitação “tem de estar ligada à política de coesão, económica e de retenção de talento”. O Porto quer “ser exemplo, quadriplicar a habitação acessível, trabalhando em conjunto com os proprietários, incentivar as cooperativas”, afirmou a vereadora, reconhecendo que “temos de tornar a vida de quem quer fazer e investir mais fácil. Não pode ser a câmara a ser dificuldade”.
Já Álvaro Santos, vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, sublinhou a ambição do município para os próximos anos. “Luís Filipe Menezes desafiou-me a criar 4.000 fogos públicos em Gaia em 4 anos. E eu aceitei”. No entanto, reforçou que estes fogos acessíveis “só serão possíveis com parceria, com o investimento privado e com as cooperativas, se não, não vamos conseguir. Por isso, apelo a todos os investidores que venham para Gaia”. Álvaro Santos referiu ainda que Gaia tem “cerca de 5.000 fogos que precisam de reabilitação”, garantindo que o município irá “criar e estender ARUs e ORUs a todo o concelho para que nenhuma parte do território seja de primeira ou segunda”.
Apresentação da exposição “A Cidade feita pelas Mulheres”

A sessão contou ainda com a apresentação da exposição “A Cidade feita pelas Mulheres”, uma iniciativa da WIRE Portugal, apadrinhada pela Câmara Municipal de Matosinhos.
Marta Pontes, vereadora da autarquia, frisou que “é um orgulho ter um espaço destes, para perceber como o reconhecimento, talento e resiliência contribuem para a reabilitação do espaço urbano. Um espaço de reabilitação urbana é também um espaço de igualdade e de oportunidade”.
“As mulheres referência desta exposição deixaram marca na sua área. Todas elas desempenham ou desempenharam um papel determinante na criação das nossas cidades”
Filipa Arantes Pedroso, presidente da WIRE, sublinhou que “a WIRE quer aumentar a visibilidade das mulheres no setor imobiliário e da construção, sensibilizar as empresas e os decisores para a importância da inclusão”. A associação “assume o desafio de celebrar mulheres cuja obra feita aqui se destaca e inspirar mulheres profissionais a assumir o seu papel na transformação das cidades”, sublinhando que “valorizamos as mulheres do presente para inspirar as mulheres do futuro”.