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Cooperativas podem ser “grande aliado” na resposta à crise da habitação



                      Cooperativas podem ser “grande aliado” na resposta à crise da habitação
Sessão “Cooperativas de Habitação – Os exemplos internacionais como solução de acesso à habitação”.

A sessão “Cooperativas de Habitação – Os exemplos internacionais como solução de acesso à habitação”, que decorreu no segundo dia da Semana da Reabilitação Urbana do Porto, procurou identificar como este modelo colaborativo pode ganhar escala em Portugal, quais os entraves ainda existentes e que lições podem ser retiradas da experiência europeia.

No arranque da sessão, Francisco Rocha Antunes, co-chair do Conselho Europeu de Habitação Acessível da Urban Land Institute (ULI), referiu que “vamos fazer uma segunda Cimeira C Change Summit, mas agora focada na habitação, um desafio complementar à descarbonização. Como é que vamos fazer habitação acessível descarbonizando? Precisamos de fórmulas que consigam garantir as duas coisas ao mesmo tempo”. Sublinhou que “muitas barreiras resultam do facto de as exigências para a habitação acessível serem idênticas às da habitação convencional”, apontando obstáculos no planeamento, no uso do solo e na forma como se projeta e gere.

Defendeu que é nestes fatores que “é necessário intervir para que a habitação possa efetivamente ser acessível”. Acrescentou ainda que esta transformação “tem de ser combinada com a capacidade de atrair investimento de longo prazo”, como fundos de pensões, que “podem até ser forçados a investir nos locais de onde as pensões vêm”, uma tendência em alguns países que, admitiu, “pode ou não ser boa para nós”.

“Espero que o Governo português não leve tanto tempo como o espanhol a perceber que as cooperativas de habitação podem ser um grande aliado na resposta à crise da habitação”

Seguiu-se Juan Casares Collado, presidente da CONCOVI, que apresentou a experiência espanhola, assente na consulta direta aos cidadãos. “É importante saber ouvir e dar às pessoas o que realmente precisam”, afirmou, sublinhando que “queremos dar resposta e ser o interlocutor entre as administrações e a procura social. É um modelo que tem sucesso há vários anos em Espanha”. Explicou que uma cooperativa gerida por profissionais oficialmente creditados pela CONCOVI garante qualidade de gestão, algo valorizado por seguradoras, bancos e autarquias, referindo que o sistema de homologação criado em Espanha pode ser replicado noutros países. Em Portugal, a FENACHE “deve intervir mais em todo o processo, consultar e identificar todos os profissionais, ter presença no debate, intervir no mercado. O Estado deveria hoje, mais do que nunca, apoiar as sociedades cooperativas”, afirmou.

Debate destaca entraves e soluções para viabilizar cooperativas de habitação

No arranque do debate, moderado por António Gil Machado, diretor da VI, Carlos Mouta, vice-presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, disse que o município tem procurado criar condições para dinamizar o modelo cooperativo, referindo que “para cooperativas, temos isenções de taxas municipais, concessões de terrenos por 90 anos, e apoiamos o projeto de arquitetura até 75.000 euros por cada lote que atribuímos”. No que diz respeito ao financiamento, sublinhou que “não pode ser o município a resolver” e que será essencial que as entidades privadas ajudem a encontrar uma solução.

Explicou ainda que Matosinhos fez “um trabalho prévio ao lançamento deste programa de cooperativas” e que, após a aprovação, já reuniu com investidores e cooperativas, adiantando que o município está “a tempo de abrir a primeira hasta pública em breve”. Carlos Mouta clarificou que “o modelo que pensamos é um contrato de arrendamento, um maior equilíbrio entre a propriedade e o arrendamento”, sublinhando que “o essencial das autarquias neste papel é baixar o custo de construção”, de forma a garantir que a equação financeira “seja equilibrada ao longo de 30 ou 40 anos”.

Confrontado com as dificuldades que continuam a travar o modelo, Francisco Rocha Antunes, co-chair do Conselho Europeu de Habitação Acessível da ULI, observou que “conseguimos financiamento graças à profissionalização”, explicando que “é não tendo lucro que conseguimos reduzir os custos, porque não temos margem nem lucro”. Acrescentou que “temos cooperativas de propriedade individual, maioritariamente”, nas quais “as pessoas fazem as suas casas, com crédito à sua construção”, um modelo mais simples do que a propriedade coletiva, que continua a enfrentar obstáculos, uma vez que “a banca financia mais facilmente a propriedade individual”, por ser um “risco mais conhecido e mais fácil de gerir”. Para Francisco Rocha Antunes “o que ainda não funciona até agora é o financiamento, nomeadamente à entidade coletiva, e não à individual”.

Frederico Almeida de Carvalho, co-founder da Co.Op.Homes, corroborou o diagnóstico, lembrando que, nas operações em que têm participado, “as cooperativas que temos feito são 100% iniciativa privada”. Disse que têm de negociar “tudo como se fôssemos um promotor tradicional”, ainda que os apartamentos sejam vendidos “a preço de custo”. Assinalou que a lei prevê IVA reduzido a 6% para cooperativas, mas a prática continua distante da teoria: “a lei é clara, mas a execução da lei é difícil, e nós ainda não conseguimos”, acrescentando que a “imprevisibilidade legal relativamente aos anúncios” agrava o problema.

A dimensão jurídica do tema foi aprofundada por Maria Santa Martha, partner da Abreu Advogados, que lembrou que, apesar de existir um código cooperativo, “há muita legislação dispersa que regula esta área”, a que se somam “medidas avulsas do Orçamento de Estado”, tornando o quadro legal complexo e pouco funcional. Observou ainda que a regulamentação do financiamento das cooperativas continua a criar entraves, nomeadamente “um número mínimo de membros para aceder a financiamento do BEI”. Sublinhou ainda que não se trata de um modelo novo, mas sim de um modelo “que se quer incentivar”, embora ainda seja “bastante desconhecido”.

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