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Cidades portuguesas ainda não estão preparadas para a “nova” logística

Cidades portuguesas ainda não estão preparadas para a “nova” logística

Esta foi uma das principais conclusões da segunda sessão do ciclo de conferências da Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa 2021, que ao final da manhã desta terça-feira se debruçou sobre «O Contributo da Logística Last Mile na Reabilitação Urbana».

«O e-commerce é uma realidade recente no nosso país, cuja procura aumentou significativamente neste último ano, e isso obrigou-nos a olhar para as novas necessidades logísticas em Portugal»¸ afirmou Nuno Pereira da Silva, Diretor da Área Industrial e Logística da CBRE. Com esta nova realidade de consumo, «aumentou também a procura de plataformas adequadas ao last-mile, perto dos grandes centros de consumo, colocando em evidência a necessidade de se criar estruturas adequadas a este tipo de entrega no mercado português».

Enquanto a nova oferta não surge, uma das soluções tem passado para utilização de equipamentos e empreendimentos de outros usos, convertendo-os ainda que temporariamente para uso logístico. Uma oportunidade para os proprietários rentabilizarem as suas carteiras, e que a Merlin Properties já está a explorar em Espanha, através de «uma experiência piloto em grandes edifícios dedicados a outros usos, aproveitando-os nas horas vagas em que não estão a ser utilizados, geralmente entre as 23h e as 7h, para serem pontos de distribuição cross-docking», contou o diretor em Portugal da socimi espanhola, João Cristina. «É um modelo que está a correr muito bem e que queremos replicar nos nossos centros comerciais e edifícios de escritórios em Portugal», revelou.

«A dificuldade em encontrar espaços adequados» à operação last mile tem motivado os CTT a procurar alternativas, que passam pelo alargamento da rede de parceiros pick-up, de modo a ter mais pontos de recolha, mas também por explorar um modelo semelhante a este da Merlin, conta o diretor de Planeamento e Desenvolvimento de Operações deste operador, Paulo Silva. «Os parques de estacionamento, seja ao ar livre ou dos grandes edifícios, são dos espaços em que melhor funciona este modelo. A questão determinante é a proximidade ao consumidor pois, desde o local da transferência dos pacotes que vêm no camião para as carrinhas mais pequenas até aos pontos de entrega final não deve ir uma distância superior a 2 horas», revela este responsável.

Este despontar do last-mile poderá também impactar o rumo dos centros comerciais, que não só «podem ser utilizados para reduzir a distância ao consumidor no momento da entrega; o que na prática os torna uma plataforma muito interessante para potenciar o negócio do last-mile»; como também têm vindo a ganhar «muitos e novos usos, de maior conveniência, que incluem esse novo papel como centros de click & collect», referiu Rafael Pelote, Head of Intelligence & Strategy da Sonae Sierra.

Acompanhando as novas tendências do retalho, Rafael Pelote lembra, contudo, que «o e-commerce está muito longe de ser uma operação rentável para a maioria das marcas, e tudo, fundamentalmente, por causa da logística», acrescentando que «as devoluções são, aliás, um dos grandes handicaps deste modelo de negócio». Por isso, considera este especialista, «a forma como as marcas se vão posicionar para captar clientes passará cada vez mais por tentar levar os clientes até aos pick-up points, pois é algo que não só facilita todo este processo last-mile como também permite reduzir custos».

Paulo Silva, nota, contudo, que «embora continuemos a alargar a rede de parceiros para o click & collect,o que mais temos observado é uma importância crescente das entregas em casa, que é um tipo de distribuição com custos acrescidos. Não sei qual é o caminho a seguir no futuro, mas não restam dúvidas que a entrega ao domicílio está a crescer, e muito!». No entanto, alerta, «as cidades portuguesas, nomeadamente Lisboa, ainda não estão preparadas para esta realidade de ter grandes centros logísticos junto ao centro».

Por tudo isto, Nuno Pereira da Silva não tem dúvidas que «a reabilitação urbana é um dos principais motores que a logística poderá ter nos próximos tempos. A logística nunca foi um setor muito querido nos PDMs e se repararmos, a maioria dos grandes centros logísticos está fora dos casco urbano. Por isso, temos claramente de olhar para a reabilitação dos antigos espaços de génese industrial existentes nos cascos das grandes cidades, atualmente devolutos ou desativados, como a grande oportunidade para este novo tipo de logística. É algo com claras vantagens para operadores, promotores e investidores, mas também para as autarquias, porque a reabilitação urbana deste tipo de espaços vai qualificar a cidade, gerar investimento e atrair empresas».

Lembrando que «no imobiliário reina a lógica do best-use for value», João Cristina acredita também que «nos próximos anos, nos novos projetos de reabilitação urbana localizados próximos aos grandes centros de consumo, provavelmente haverão cada vez mais áreas destinadas a este uso logístico last-mile».

É preciso repensar a forma como se organizam os projetos

Além disso, realça João Pereira da Silva, «esta dinâmica da procura nas grandes cidades veio também aumentar a necessidade de se repensar a própria forma como os projetos logísticos se organizam». E exemplifica: «se antes num projeto logístico, o espaço disponível se distribuía em 50%-50% entre armazenamento e logradouro, no last-mile existe uma necessidade muito maior de espaço de logradouro, pois vão existir muitas viaturas parqueadas à espera de receber mercadorias. E sem falar na questão das devoluções….».

A seu ver, e acompanhando a tendência de crescimento deste tipo de comércio, no futuro «vamos ter mais metros quadrados em termos de edifícios, mas com menos edifícios. Vai haver uma maior pulverização de estruturas logísticas, mas com mais projetos e empreendimentos de proximidade e adequados às necessidades locais dos retalhistas».

Na hora de pensar a oferta, é preciso também ter em conta que «dentro do e-commerce existem várias dinâmicas distintas, pois bens alimentares, farmacêuticos ou produtos de moda, por exemplo, exigem diferentes infraestruturas logísticas», embora «em qualquer dos casos, a redução do tempo de entrega seja simultaneamente o grande objetivo e o grande desafio do last-mile», concluiu o responsável da CBRE.

Assista aqui à conferência:

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