As comunidades de energia renovável vêm quebrar com a gestão tradicional do sistema energético. As CER estão a nascer em todo o país e, cada vez mais, são reconhecidas como fundamentais para acelerar o processo de transição energética.
Terão os portugueses interesse em participar em comunidades de energia renovável? A conferência "Energia nos bairros de Lisboa – As comunidades energéticas", organizada com o apoio da Ordem dos Engenheiros Técnicos, da Adene e da Schneider Electric Portugal, reuniu especialistas de várias áreas para responder a esta e outras questões, na Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa.
Augusto Ferreira Guedes, Bastonário da Ordem dos Engenheiros Técnicos, iniciou a sessão sobrelevando a questão energética como «fator determinante do nosso futuro». Sublinha que «nós não devíamos poder, nos edifícios, consumir mais do que aquilo que produzimos. Devíamos ser auto-suficientes». Para Augusto Ferreira Guedes é necessário «passarmos do “achismo” para soluções possíveis».
A Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa torna-se vital ao «incentivar este diálogo que temos com as entidades deste setor, promovendo o diálogo», aponta Nelson Lage, Presidente da Adene. Na sua intervenção, reiterou que as comunidades de energia renovável e o autoconsumo são «instrumentos essenciais na criação energética justa, democrática e coesa».
“Necessitamos das autarquias, que são fundamentais neste processo”
Para isso, sublinha que «necessitamos das autarquias, que são fundamentais neste processo. O poder local deve ser o agente de desenvolvimento destas produções de energia alternativa, que são financeiramente sustentáveis». As CER apresentam modelos de gestão, que «já estão a permitir criar, em alguns municípios, novos mercados com a participação ativa de cidadãos», indica o presidente da Adene, acrescentando que estas «oferecem como benefício, a redução das despesas com energia, do preço da energia e do acesso a serviços de qualidade».
Atentando ao facto de que «700 mil portugueses estão em pobreza energética extrema» e Portugal ser o «4º país mais pobre energeticamente na Europa», Nelson Lage admite ser «fundamental que as estratégias de longo prazo, para combater a pobreza energética, integrem instrumentos que ajudem ao desenvolvimento de Comunidades de Energia Renovável». Acrescenta que estas «contribuem para redução das despesas com energia, do preço da energia e do acesso a serviços de qualidade».
Na sua intervenção, Patrícia Pimenta, Home & Distribution VP Schneider Electric Iberia, revela que «queremos tentar procurar por uma alternativa às energias fósseis que temos. Uma alternativa verde que não emite CO2 e uma alternativa às energias fósseis. Mas precisamos de mais».
Com isto em mente, a Schneider Electric está a apostar na digitalização: «permite que a eletricidade se veja, conheça e entenda. A digitalização é a base do nosso modelo de transição energética». Acrescenta que as tecnologias permitem «tomar controlo da energia, reduzir o consumo e adaptar à sua disponibilidade» e, se formos mais eficientes, «não precisamos de produzir aquilo que não consumimos». Patrícia Pimenta completa referindo que «o melhor KWh é o que não se consome».
Descarbonização passa por “duas alavancas muito grandes”
A anteceder a mesa-redonda de debate, Miguel Fonseca, Board Member da EDP Comercial, foi entrevistado por António Gil Machado, Diretor da Vida Imobiliária. Ao falar da descarbonização, Miguel Fonseca considera que a «descarbonização a nível mundial passa por duas alavancas muito grandes: a eletrificação da economia, depois tornar essa eletricidade verde, mais consumo em casa e mais eficiente».
Em que ponto é que estamos das comunidades energéticas?
«Vejo as comunidades como uma forma de fazer várias coisas. Como utilizo o espaço já edificado, onde as pessoas vivem, para ser também um espaço de produção elétrica? Quando olhamos para este espaço edificado, nem toda a gente tem um espaço disponível para fazer instalação fotovoltaica. Como torno a produção energética e o autoconsumo acessível a todos? Considero que as comunidades energéticas vêm dar esta resposta», declara Miguel Fonseca.
Para o representante da EDP na conferência, as CER, hoje, «existem para dar maior eficiência à instalação de solar autoconsumo e, permitir a todos os consumidores, participarem nesta transição energética, acedendo ao autoconsumo».
Miguel Fonseca refere que «vendemos cerca de 1500 comunidades, que são 40mW de instalação solar. Isto vai servir cerca de 60 mil pessoas», adiantando que, um consumidor que tenha um espaço, pode dirigir-se à EDP que esta fará um estudo sobre o local.
De que forma as comunidades podem ser um contributo para a inclusão?
Para Miguel Fonseca «tudo o que seja para tornar a energia mais barata, ou com poupanças diretas para o consumidor, assume desde logo um papel de maior inclusão energética e combate à pobreza energética». O responsável adianta que a EDP «tem dedicado parte das instalações de comunidades a pessoas com dificuldades financeiras e pobrezas energéticas».
Empresas procuram por soluções de autoconsumo coletivo
Na mesa-redonda de debate, moderada por José Manuel Sousa, Vice-Presidente, Ordem dos Engenheiros Técnicos, Manuel Casquiço, Diretor Indústria e Transição Energética da Adene, atenta ao facto de o autoconsumo coletivo registar, ultimamente, uma grande procura: «temos verificado que as empresas têm procurado por soluções de autoconsumo coletivo, permitindo aos clientes participar nesta transição de energia energética».
O responsável sublinha que as comunidades de energia renovável «são um grande contributo para a transição energética, tendo um enorme potencial de aproximar os cidadãos, instituições públicas e privadas para uma transição coesa e democrática» e que «há uma grande vontade das pessoas em contribuir para esta transição energética».
Eduardo Silva, Diretor Técnico e Financeiro, Lisboa E-Nova, Agência de Energia e Ambiente de Lisboa, aponta esta questão da energia como «premente», tendo os municípios «um papel muito relevante». Estão os municípios cientes do papel que podem exercer nesta matéria da transição energética? Eduardo Silva salienta que «estarão certamente e o processo está a andar neste momento».
No ponto de vista dos promotores privados, José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties Portugal, refere que o nosso interesse pelas comunidades energéticas nasceu com o projeto “Terras da Comporta”. José Cardoso Botelho atenta ao facto de falar-se bastante da falta de espaço para a instalação de painéis fotovoltaicos e térmicos, contudo no projeto Terras da Comporta «o que não falta é espaço: temos em abundância para colocar painéis fotovoltaicos e térmicos». Neste sentido, remete à parceria celebrada com a Greenvolt Comunidades, ao indicar que «neste momento, estamos a preparar a instalação dos primeiros painéis».
“Tem de ser um mix de soluções de energia ”
Fernando Silva, da Ordem dos Engenheiros Técnicos, enfatiza que «não há uma solução de energia que resolve tudo», adiantando que «tem de ser um mix de soluções», uma vez que é a «única forma de resolvermos o problema da energia no país».
A eletrificação «não chega», apontando a conceitos fundamentais como a digitalização, otimização, monitorização e a consciencialização global: «a vertente pedagógica é fundamental», acrescenta. José Manuel Sousa, moderador do debate, concorda ao afirmar que «a mudança do paradigma do comportamento é relavante. É preciso saber a forma como vamos utilizar».
“Temos de ter flexibilidade de cultura ”
António Monteiro, Partner da A400, explica que quando se fala neste tema de energia, eficiência e sustentabilidade, «falamos de um ecossistema de conhecimento muito vasto: temos de ter flexibilidade de cultura, algo que tem de se procurar, e é algo evolutivo». O responsável considera que o urbanismo «está na base de tudo», reforçando que «precisamos de ter flexibilidade, ou seja, espaço para acomodar novas formas de energia».
Patrícia Pimenta, Home & Distribution VP Schneider Electric Iberia, constata que a dificuldade nesta transição e transformação «está mais patente nas pequenas e médias empresas, onde o tempo para parar e pensar é inferior». A responsável reitera que «temos de tomar controlo da energia, para isso digitalizar, eletrificar os processos e ser prosumidor».