A sessão “O novo Simplex Urbanístico – Como evoluímos e quais os desafios?”, que decorreu na tarde do segundo dia da Semana da Reabilitação Urbana do Porto, reuniu o setor para avaliar o impacto das alterações ao licenciamento urbano e discutir o que muda com o novo Simplex.
A abrir a sessão, Manuel Maria Gonçalves, CEO da APPII, defendeu que o setor tem de “construir, construir, construir”, mas alertou que isso só será possível “quebrando as barreiras que impedem o país de avançar”. Considerou que o Simplex continua a carecer de “eficiência e rapidez”, descrevendo-o como “um labirinto burocrático que o país já não suporta”, embora reconheça que pode ser “um primeiro passo importante para introduzir agilidade e clareza no setor, pois, sem simplificação, é impossível construir ao ritmo que o país precisa”. Sublinhou ainda que a carga fiscal no setor “ultrapassa já os 40%”, apelando a “regras claras, decisões céleres e um Estado que confie em quem quer construir”.

Seguiu-se Rui Ribeiro Lima, partner da Morais Leitão, que fez o enquadramento jurídico da revisão do Simplex Urbanístico, recordando que o diploma introduziu “uma alteração significativa ao RJIGT e ao RJUE” e anunciou a futura revogação com o Código da Construção. Destacou medidas como o deferimento tácito, a proibição de os regulamentos municipais multiplicarem procedimentos, a eliminação da autorização de utilização, as grandes mudanças nos PIP, com o PIP Simples e o PIP Qualificado, e a tentativa de eliminar uma fase crítica da operação, “terminar os alvarás”. O diploma “ainda não entrou na Assembleia da República”, referiu, acrescentando que foi aprovada “uma proposta de alteração legislativa e um decreto-lei autorizado”, perspetivando um “Simplex Urbanístico 2.0”, com alterações ao RJUE e redução de prazos.

Joana Duro, associada coordenadora da Morais Leitão, analisou o controlo sucessivo, destacando a redução “de 10 para 1 ano” do prazo para as câmaras municipais ou o Ministério Público contestarem os atos, medida que “não determina a legalidade das obras”, mas que considerou positiva por poder trazer “alguma estabilidade na relação entre particulares”. No regime contraordenacional, alertou que “as coimas associadas são insuficientes, não têm o efeito inibitório que se deseja”, e sublinhou a necessidade de rever o regime de ocupação do domínio público, que “deve ser célere e eficiente”, incluindo na fase de execução dos trabalhos. Assinalou que têm sido identificados “obstáculos procedimentais e práticos”, nomeadamente situações de impossibilidade de execução de obras por não ter sido emitida a licença.
“O Simplex não vai resolver os problemas de fundo que estamos a discutir”
O debate ganhou ritmo com a intervenção de Fernando Santo, presidente do Conselho Estratégico da Construção, Imobiliário e Habitação da CIP, na mesa-redonda moderada por Cláudia Beirão Lopes, director of Licensing & Urban Planning na Reify, onde enfatizou desde logo que “o Simplex não vai resolver os problemas de fundo que estamos a discutir”. O único Simplex “que conheço é um diploma de 1970”, assinalando que, desde então, se somaram “camadas de diplomas em que a parte jurídica tomou conta desta atividade”, quando os autores dos projetos deveriam estar “na primeira linha desta discussão”. Defendeu, por isso, uma “simplificação dos diplomas legais, sem pareceres jurídicos” e a “uniformização de todos os PDMs”. Este sistema “tem de ser posto em causa, enquanto não se tiver coragem para mexer nestas áreas, não resolveremos o problema e estaremos aqui daqui a mais anos a falar da mesma coisa”.
A necessidade de atacar os bloqueios estruturais foi igualmente sublinhada por Manuel Maria Gonçalves, CEO da APPII, que reiterou que “são demasiados regulamentos e demasiados municípios”. Admitindo como positivo o diferimento tácito, por ter ajudado a criar alguns prazos e a estimular mudança de mentalidade, alertou contudo para uma cultura enraizada que “gosta de complicar”, onde o medo de decidir condiciona todo o sistema. Defendeu ainda que o Código da Construção “deveria avançar” e ser desenvolvido por um grupo de trabalho “que em 2 ou 3 meses conseguisse criar o mesmo”. Afirmou ainda que o país “precisa de uma plataforma única de licenciamento” e de verdadeira coordenação entre entidades, sublinhando a importância da “proporcionalidade técnica e ambiental”.
Já Pedro Baganha, arquiteto e ex-vereador do Urbanismo do Porto, alertou que, se as autarquias já enfrentam dificuldade em cumprir prazos e requisitos, “com esta redução o problema via-se agravar”, comparando a fixação de prazos por portaria a “decretar que vai parar de chover daqui a duas horas”. O processo urbanístico “tem obras de urbanização, cedências ao domínio público, redefinição de cadastro – são muitas circunstâncias. As operações de grande escala de facto implicam um conjunto de diligências diferente”, explicou. O cerne do problema do licenciamento está na “debilidade e ausência do planeamento territorial”, afirmou, pois, quando este é bem desenhado, “o licenciamento resume-se a conferir se está de acordo”. Enquanto isso não acontecer, adiantou, “o licenciamento não vai ficar mais fácil”. Pedro Baganha enfatizou ainda que, “se tivesse havido coragem de verdadeira simplificação do licenciamento, bastaria o PIP simples e qualificado”.

Também Rui d’Ávila, administrador do GFH, considerou que algumas das iniciativas recentes seguem na direção certa, embora tenha classificado o Simplex 2.0 como “completamente desnecessário”, sobretudo por prever “prazos irrealistas”, o que, no seu entender, pouco acrescenta. Apontou como entraves maiores “a rigidez dos planos do território” e “os custos dos terrenos”, observando que “as mais-valias geradas pelo planeamento urbano ficam no bolso do promotor”, o que alimenta a escalada dos preços dos terrenos. Embora reconheça o valor da digitalização, advertiu que isso “não significa que será necessariamente boa para agilizar os licenciamentos”. Defendeu ainda que o “serviço de apreciação do projeto poderia ser terceirizado” e que “não adianta mexer nos prazos quando não há sanções aplicadas, sem ser o diferimento tácito”, sugerindo, por exemplo, que a não emissão em tempo útil faça “deixar de receber as taxas urbanísticas”.
Do ponto de vista jurídico, Rui Ribeiro Lima, partner da Morais Leitão, alertou que “simplesmente reduzir prazos, sem mais cobertura nem instrumentos, parece-me que não vai ajudar, mas sim criar mais situações em que se recorre ao diferimento tácito”. Esclareceu que o Simplex “não alterou o regime de responsabilidade dos projetistas”, apenas a exposição a essa responsabilidade. Sobre o IVA reduzido, afirmou que “o ministro tem transmitido que a ideia será aplicá-lo a novos licenciamentos, mas tudo depende do timing que a proposta terá no planeamento; também já disse que estava a procurar forma de retroagir os efeitos”, mas “há um garrote e para tudo até se saber efetivamente como é que isto se vai aplicar”.