É verdade que a atividade da construção, a atividade industrial e o próprio comércio de materiais de construção não foram obrigados a encerrar, mesmo durante os longos períodos em que vigorou o estado de emergência, mas a quebra da atividade económica, que afetou sobretudo o turismo e as quebras de rendimentos, poderiam ter feito recuar a procura, o que não se verificou.
Houve, naturalmente, dificuldades, como alguns projetos que foram suspensos, mas foi sobretudo ao nível da organização das equipas de trabalho em obra e na logística de fornecimento atempado de produtos e materiais às obras que se colocaram os maiores problemas.
Estes últimos devem até piorar nos próximos dois a três meses, fruto da desarticulação do sistema produtivo global e da logística internacional, somando-se a um forte e rápido aumento dos preços das matérias primas que já está a repercutir-se em aumentos semanais dos preços dos produtos e que é suscetível de causar problemas de rendibilidade e conflitos contratuais. Em todo o caso, uns e outros, são fenómenos de curto prazo que deverão estar ultrapassados antes do final do presente ano, ainda que o nível geral de preços deva estabilizar um pouco acima do que se verificava antes da pandemia.
Há, contudo, um outro problema que, embora de forma não tão acelerada, continuou a crescer e que se tornará tanto mais grave quanto mais depressa a atividade económica retomar: a falta de mão de obra.
Aqui, não se trata de uma situação conjuntural, mas de uma tendência que o período da crise financeira anterior permitiu acomodar e, de alguma forma, esconder. Na verdade, o desemprego que também se abateu sobre este setor, encontrou saída na emigração para a Europa onde a escassez de mão de obra na construção já se havia tornado crónica, ou na progressiva passagem à situação de aposentação, já que uma grande parte da força de trabalho deste setor foi formada nos anos 80 e 90 do século passado que corresponderam ao boom da construção.
Já antes da pandemia, em 2018, elegemos este como o maior obstáculo para o crescimento do setor da construção a médio prazo. Mas, tudo indica, vai piorar mais e mais depressa do que supúnhamos. Por três ordens de razões. A primeira, porque as atuais profissões na área da construção deixaram de ser, há muito tempo, atrativas para os jovens (nem sequer a engenharia civil…). A segunda, porque se tornou objetivamente impossível, no quadro da política europeia de imigração, ir buscar estes trabalhadores a África ou a qualquer outro lugar. Em terceiro lugar, a enorme escassez de profissionais da construção na Europa, combinada com a enorme dinâmica que o setor vive no espaço europeu (ainda mais forte que entre nós) e com salários que, em média, são o triplo dos praticados em Portugal, irá, assim que as restrições a viajar sejam levantadas, propiciar a debandada dos mais jovens e qualificados.
Diremos mesmo que, se nada for feito, os objetivos definidos para utilização da “bazuca”, de mais vinte ou trinta mil habitações acessíveis, estradas e caminhos de ferro, mais escolas e hospitais, não vão poder concretizar-se.
Mas a questão é ainda mais profunda e urgente do que pode parecer á primeira vista. Na verdade, trata-se de perceber que estamos perante mudanças enormes e radicais que têm, além da dimensão social e económica, as dimensões tecnológica e ambiental. Por estranho que pareça, a estratégia para ultrapassar estas dificuldades, alinha-se perfeitamente com os novos desígnios e orientações para um futuro mais inclusivo e sustentável.
A falta de mão de obra obriga-nos a adotar metodologias e sistemas construtivos de base industrial, com mais pré-fabricação e preparação de parte dos edifícios e seus elementos em ambiente do tipo fabril, com recurso a maquinaria, em ambiente controlado. Estas alterações requerem profissionais com qualificações diferentes, trabalhando num meio mais protegido e confortável, que serão melhor remunerados em função de uma produtividade que é notavelmente superior. Ao mesmo tempo os custos e os desperdícios de recursos materiais são drasticamente reduzidos, ao mesmo tempo que as obras alcançarão melhores níveis de desempenho energético, durabilidade e conforto e incluir, de forma crescente, soluções construtivas que permitam a desmontagem, a reutilização e a reciclagem, caminhando para uma economia circular.
É mais fácil dizê-lo que fazê-lo. Mas é absolutamente necessário que todos se envolvam. Todos os subsetores e atividades que constituem a fileira, dos promotores aos construtores, passando pela indústria, pelos projetistas, pelas universidades e, sobretudo, pelos decisores políticos que têm que ter, neste momento, a visão e o arrojo necessários para “dar gás” a este novo modelo, até porque é o Estado o grande comprador e é quem tem o dinheiro.
Todos vão ter que se adaptar, mesmo os comerciantes e certamente haverá novos negócios a surgir como oportunidade e necessidade num outro modelo de fazer obras e de posterior reutilização de produtos e materiais, ma parece-nos que será ao nível da empresa de construção que a transformação e o desafio serão maiores, porventura tanto ou mais que a introdução, antes de meados do século passado, das estruturas de betão armado nos edifícios.