O decreto que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial para permitir a construção de habitação em solos rústicos foi publicado em Diário da República a 30 de dezembro, entrando em vigor um mês depois dessa data.
Na publicação do diploma, o Governo justifica que «a maior disponibilidade de terrenos facilitará a criação de soluções habitacionais que atendam aos critérios de custos controlados e venda a preços acessíveis, promovendo, assim, uma maior equidade social e permitindo que as famílias portuguesas tenham acesso a habitação digna».
Para o Executivo, aumentar o número de solos destinados à construção de habitação «não só contribui para a expansão e concretização do plano “Construir Portugal”, como também fortalece a capacidade do Estado em promover políticas habitacionais eficazes, sustentáveis e alinhadas com as necessidades da população. Esta medida é, portanto, essencial para garantir o sucesso do programa e para proporcionar soluções habitacionais adequadas e acessíveis a todos os cidadãos».
Este decreto-lei altera então o RJIGT «possibilitando, a título excecional, a criação de áreas de construção em solos compatíveis com área urbana já existente, obedecendo a uma lógica de consolidação e coerência, continuando a vigorar a proibição de construção em unidades de terra com aptidão elevada para o uso agrícola, nos termos da Reserva Agrícola Nacional». Relativamente à Reserva Ecológica Nacional, «continuam a ser salvaguardados os valores e funções naturais fundamentais, bem como prevenidos os riscos para pessoas e bens».
Pode ler-se ainda que «apesar de o RJIGT dever garantir segurança e previsibilidade ao ordenamento jurídico, não pode, no entanto, constituir um corpo legislativo rígido, incapaz de se ajustar à presente necessidade de pôr cobro à escassez de habitação e ao aumento dos seus custos».
«Neste sentido, prevê-se um regime especial de reclassificação para solo urbano, limitado aos casos em que a finalidade seja habitacional ou conexa à finalidade habitacional e usos complementares, sujeitando-se, ainda, ao cumprimento cumulativo de um conjunto de requisitos que visam salvaguardar a preservação dos valores e funções naturais fundamentais, bem como prevenir e mitigar riscos para pessoas e bens», refere o Governo.
Serão as assembleias municipais a deliberar esta reclassificação dos solos, sob proposta da câmara municipal, «refletindo, assim, um processo de decisão colegial, transparente e suscetível de integral escrutínio, sujeito à pluralidade de posições que necessariamente acompanham a discussão em sede de assembleia municipal».
Oposição quer levar a nova lei ao parlamento
BE, PCP, Livre e PAN juntaram-se para pedir a apreciação parlamentar do novo diploma, que querem revogar, entendendo que a alteração ao RJIGT é «nociva», segundo Mariana Mortágua, líder do BE. Conforme avança a RTP, também Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP, acredita que a medida não vai responder às necessidades habitacionais atuais.
Helena Roseta, arquiteta, ex-deputada e especialista em habitação, também criticou o novo diploma num artigo de opinião publicado no jornal Público, considerando que vai agravar o preço da habitação e provocar «desordem territorial», pedindo aos deputados para usarem o poder constitucional de fiscalização do Governo. Aponta que «a política de solos e do planeamento urbano são competência reservada do Parlamento, e bem que assim seja, porque o nosso território tem de ser bem desenvolvido e bem salvaguardado e não pode ser mudado por regras publicadas de repente e sem se dar por isso», diz à Antena 1.
De recordar que também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, teve algumas reservas e referiu na nota de promulgação do diploma: «apesar de constituir um entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território, a nível nacional e local, atendendo à intervenção decisiva das assembleias municipais e à urgência no uso dos fundos europeus e no fomento da construção da habitação, o Presidente da República promulgou o diploma do Governo».
O ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, reforça esta sexta-feira, num artigo no mesmo jornal, que a alteração à lei dos solos tem como único objetivo aumentar a oferta de terrenos para construir habitação, garantindo a preservação das áreas protegidas. Defende que «é uma mudança estrutural» para «baixar o preço das casas».
O ministro recorda que «Portugal vive uma situação de crise habitacional séria», e que «para aumentar o volume de construção de novas casas, para a classe média, a iniciativa do Governo vai permitir que as câmaras e assembleias municipais autorizem a construção de casas em terrenos onde até agora não estava prevista habitação», cita a CNN. Porque «ninguém melhor que os eleitos locais (…) para ajuizar (…) o que é melhor para as suas terras (…). Obviamente que terão de decidir no cumprimento das leis e regulamentos em vigor». E também lembra que «apenas será possível proceder à reclassificação destes solos desde que 70% das casas a construir sejam vendidas a preço moderado». Defende que «manifestamente é uma lei anti-especulativa».