Mais ambição nas políticas, definição de prioridades e menos burocracia, é o que o setor das janelas eficientes pede para que os esforços de descarbonização e melhoria do parque edificado português surtam efeito, e para que as famílias possam beneficiar de apoios que respondam efetivamente às suas necessidades.
O futuro da construção, da eficiência energética e das empresas deste setor esteve em destaque no VII Encontro Nacional do Setor das Janelas e Fachadas, organizado pela ANFAJE – Associação dos Fabricantes de Janelas Eficientes a 4 de maio, em Lisboa. Foram temas de destaque deste encontro numa altura em que a descarbonização e a eficiência energética estão na ordem do dia, e com elas a necessidade de melhoria dos edifícios portugueses, em especial da habitação.
João Gomes, presidente da ANFAJE, destacou na abertura desta conferência as «grandes incertezas face ao futuro» do setor, nomeadamente em relação a programas como o Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis. Dada a conjuntura mais desafiante, «há crescente falta de confiança por parte dos investidores e promotores imobiliários, que se vai refletir certamente no lançamento de novas obras nos próximos meses. Com tantos novos desafios, precisamos de estar atentos para nos adaptarmos, temos de continuar a construir o futuro das nossas empresas e do nosso setor, atraindo novo talento, reforçando a capacidade de liderança das nossas empresas, para assegurar um setor sólido e forte».
João Gomes considera que «num quadro de turbulência permanente, as empresas portuguesas devem unir-se cada vez mais para ultrapassar os problemas comuns, e isso faz-se através do trabalho das associações».
A execução do Plano de Recuperação e Resiliência é uma das preocupações do setor. Gonçalo Leite, da CPCI, espera que tenha «uma execução significativa, apesar de estar a ser mais lenta no nosso setor do que seria desejável. A ambição está lá, os programas existem, mas há dificuldades em passá-los à prática». Sobre a habitação em particular, e depois de um grande aumento da procura, considera que a dinâmica de execução por parte da administração central não terá tido a dinâmica que deveria ter tido. O enquadramento fiscal da construção «poderia ser muito mais razoável», numa altura em que «precisamos de renovar mais de 120.000 fogos por ano, precisamos de apoio para essas renovações e remuneração do capital investido».
E numa altura em que as empresas têm de construir mais, em menos tempo e de forma muito mais sustentável, mostra-se preocupado com a sua capacidade para responder às exigentes metas que hoje temos: «não me parece que estejamos totalmente preparados para o que aí vem». Considera que seria importante estar já pronto o sistema de certificação europeu, mas até lá «temos de estabelecer nós próprios as regras pelas quais nos devemos reger», lidando com desafios como a falta de mão-de-obra e aumento dos custos.
Sistema de avisos é pouco eficaz
Joanaz de Melo, da FCT-UNL, acredita que as políticas públicas atualmente no terreno para melhorar a eficiência energética do parque edificado português «não respondem às necessidades, de todo, apesar dos diagnósticos feitos. Temos quase três quartos da população a viver em casas que não cumprem os requisitos mínimos de comportamento térmico, e os volumes de investimento necessários não estão ao alcance da maioria das famílias».
Uma das grandes críticas que o setor das janelas faz é ao sistema de avisos. João Gomes afirma que «não queremos estar dependentes de avisos, queremos mais previsibilidade», nomeadamente em termos de datas. Por outro lado, este sistema «não funciona para a maior parte da população», acredita Joanaz de Melo, que defende que «benefícios fiscais seriam uma boa alternativa, deveria ser essa a ferramenta principal para as famílias de classe média proprietárias, e os subsídios deveriam ser aplicados aos que têm mais dificuldades». Seja como for, acredita que é necessária «uma parceria à escala nacional e local para o acompanhamento e apoio concreto às famílias», e que deve existir «um plano de requalificação do parque existente. O setor da reabilitação tem de ser reforçado, devíamos ter a maioria da população a viver em casas decentes dentro de 10 anos, mas isso implica ter prioridades claras, que hoje não existem. Falta ambição e estratégia, e os meios não permitem cumprir os objetivos atualmente».
Participando neste debate, Nelson Lage, presidente da ADENE, reconhece que «vivemos tempos muito desafiantes para os setores, para as instituições e para as pessoas em particular», e vê nos últimos anos «uma evolução muito positiva na abordagem e na importância dada à eficiência energética, hídrica, à sustentabilidade. O nosso exercício é olhar para o que temos, tirar partido disso, e melhorar, o caminho tem de ser por aí».
Concorda com a necessidade de «definir poucas prioridades, mas que sejam ambiciosas», de desburocratização dos processos e de «maior adaptabilidade das políticas públicas», mas acredita que não se ganha com «ter uma política para 10 anos sem a adaptar. A pandemia ensinou-nos que nada é constante, e é preciso que a política pública acompanhe esses desafios que vão surgindo Cabe à ADENE sensibilizar, formar».
E deixou ainda a nota de que os programas PE+S e Vale Eficiência estão a ser «pensados e estudados» e serão relançados brevemente. «Felizmente os avisos são revistos e melhorados».
Sustentabilidade tem de ser efetiva, e chave está na normalização
As empresas têm de garantir que estão preparadas para o futuro, nomeadamente para as novas exigências de sustentabilidade e de conforto. Este foi outro dos temas discutido durante esta conferência.
Víctor Ferreira, do Cluster Habitat Sustentável, considera que a sustentabilidade tem de ser olhada «como um valor relativo que vai mudando com o tempo. Tudo depende do equilíbrio, nada é certo». Mas está confiante de que «temos hoje em Portugal empresas e tecnologia que competem com os seus concorrentes internacionais. O desafio que se coloca tem a ver com políticas e diretivas europeias e internacionais, a transição verde vai marcar a próxima década, e a sustentabilidade tornou-se um valor de mercado».
O desafio que se coloca tem a ver com políticas e diretivas europeias e internacionais, a transição verde vai marcar a próxima década, e a sustentabilidade tornou-se um valor de mercado.
João Viegas, do LNEC, concorda que «é tudo uma questão de equilíbrios, temos de pensar globalmente o edifício e em todos os requisitos necessários». E defende que a normalização poderá ajudar a definir todas essas componentes.
Até porque a sustentabilidade não pode ser só marketing. «Temos de nos juntar à mesa, investigadores, construtores, utilizadores, todas as partes interessadas, e procurar definir as especificações efetivamente relevantes, e procurar harmonizar essas mesmas especificações. Isto leva muito tempo, mas o caminho será efetivamente a normalização. Deve ser ferramenta para especificar melhor os produtos».
Por seu lado, Rui Oliveira, da Saint-Gobain Glass Portugal, chamou à atenção para o facto de que a sustentabilidade «nem sempre é mais barata, e é mais fácil implementar nas gamas mais altas do mercado. O país precisa da sua implementação também nos segmentos médio e baixo, temos várias empresas que não estão ainda bem estruturadas ao nível da sustentabilidade e não a têm como prioridade. Precisamos de legislação, exigência de documentação e fiscalização das soluções».