Lisboa foi palco, esta quinta-feira, de um debate pioneiro que reuniu especialistas em neuroarquitetura, arquitetos e profissionais do setor imobiliário. Sob o tema "Neuroarquitetura, Bem-Estar e ESG", o evento discutiu como a interação entre estes conceitos está a redefinir a forma de pensar o ambiente construído.
O bem-estar como estratégia de valor
Na sua intervenção, Giovanna Jagger, Diretora Sénior de Desenvolvimento de Mercado Global EMEA no International WELL Building Institute (IWBI), destacou como a certificação WELL está a liderar uma transformação no setor. «Com a WELL, encorajamos as organizações a apostar na saúde e no bem-estar dos seus colaboradores», afirmou, sublinhando que esta abordagem «vai ser importante e terá retorno no futuro».
Para a responsável, o impacto vai muito além das métricas tradicionais. «Colaboradores saudáveis são mais produtivos, e isso traduz-se num fortalecimento dos retornos imobiliários», explicou, acrescentando que «o WELL permite criar valor a longo prazo em todos os aspetos do negócio».
"Investir na comunicação sobre os novos investimentos é muito importante, quanto mais alinhamento houver, mais trabalho conseguimos fazer juntos".
Apesar do entusiasmo, Jagger reconheceu que há desafios a superar. «Chegaremos a um ponto em que os regulamentos vão apertar mais. As pessoas ainda não têm tanta noção das vantagens disto, ou da neoarquitetura, há pouco conhecimento ainda, é algo novo, traz mais insegurança», admitiu.
«O ESG está na moda há algum tempo, mas aqui no WELL falamos da sustentabilidade social, em específico. Pode ajudar nestes esforços de sustentabilidade social, primeiro numa escala mais pequena, depois numa escala maior. Nos próximos anos vamos ver isto incorporado em mais projetos», enfatizou Giovanna Jagger, acrescentando que «os líderes têm de ter poder, os colaboradores têm de estar envolvidos e o ESG tem de ser propriedade».
Neuroarquitetura: alinhar ciência e ambiente
Maria Eduarda Kopper, do studio ADK, trouxe à discussão a importância de conectar a ciência e a arquitetura às necessidades humanas. «A neuroarquitetura ajuda-nos a alinhar necessidades físicas e cognitivas com os ciclos de vida naturais, restaurando o ritmo que fomos perdendo no caos urbano», explicou.
A neuro arquitetura «ajuda-nos a alinhar as necessidades humanas físicas, naturais e cognitivas com os ciclos de vida naturais, restaurando o ritmo que vamos perdendo, vamos distanciando-nos dela, e julgamo-nos controladores e superiores a ela», disse.
"Esta é uma oportunidade única de alinhar as ações contra as alterações climáticas com o imobiliário"
Para Maria Eduarda Kopper, «a valorização imobiliária é uma consequência desta arquitetura intencional. A arquitetura acaba por falar por si, e acaba por reter mais clientes e gerar mais leads, um bom impacto a longo prazo, que é bom para todas as partes envolvidas nesta cadeia de produção. Esta visão integrada resgata o papel do mercado imobiliário como um agente de transformação social e ambiental, alinhado com as exigências de investidores e consumidores atentos aos desafios do mundo atual», enfatizou.
A sessão contou ainda com a apresentação da Academia Portuguesa de NeuroArquitetura (APN), que destacou a importância de compreender como os espaços afetam o comportamento humano. «Todos queremos que os espaços nos afetem da melhor forma possível. A neurociência sabe que 95% do que processamos é inconsciente, e que forma nos está efetivamente impactar. Quanto melhor entendermos a experiência urbana, melhor saberemos projetar para eles».
Impacto da Neuroarquitetura no setor Imobiliário
Em painel de debate sobre o Impacto da Neuroarquitetura (bem-estar, sustentabilidade e ESG) no Setor Imobiliário, especialistas discutiram os desafios e as oportunidades emergentes para o mercado português.
Carolina Almeida Cruz, Executive Director da C-More, iniciou a discussão sublinhando que as empresas, independentemente do seu porte, começam a ser obrigadas a aderir a práticas mais sustentáveis. «Mesmo uma subsidiária pequena de uma multinacional que passa a ter de cumprir com estas coisas, vai fazer pressão em toda a empresa. A partir do momento em que se toca no bolso das entidades, dizemos que as suas condições são distintas do vizinho», afirmou. Segundo Carolina Almeida Cruz, «quem faz bem feito, óptimo, testa-se; os que não fizeram bem feito, pagam um pouco mais. E isto toca-nos a todos quando as grandes precisam de informação das pequenas, ou quando vou pedir financiamento para uns painéis solares no meu escritório. E é extraordinário tocar-nos a todos. Lá à frente queremos ter um planeta primeiro, para poder ter empresas».
"A sustentabilidade e a taxonomia valorizam os ativos, há cada vez maior procura por ativos com menores riscos climáticos"
João Toscano, CEO da Livingroup, também abordou a importância da sustentabilidade nas estratégias dos promotores imobiliários. «A sustentabilidade e a taxonomia valorizam os ativos, há cada vez maior procura por ativos com menores riscos climáticos. Sabemos que estas medidas são importantes, têm bastantes benefícios, mas acho que há demasiadas formalidades legislativas nas empresas, independentemente da sua dimensão. As empresas estagnam nessas formalidades. É preciso um equilíbrio na legislação e na forma como a legislação é aplicada, muita formação, e essa formação não depende só do setor privado, também o setor público tem de dar o exemplo».
O responsável pelo Livingroup sublinhou ainda que «nós queremos fazer bem feito, há grande pressão no mercado, e nós queremos acompanhar as regras e a legislação. Os promotores têm de deixar de se esconder e têm de promover as próprias empresas. Tudo isto é fundamental. Mas estamos carregados de impostos, burocracia, e não temos espaço para mais».
"A taxonomia deu cor à legislação das finanças sustentáveis, que tentou reorientar o capital para projetos mais sustentáveis"
Ana Luísa Cabrita, Head of Sustainability & ESG na Cushman & Wakefield, fez uma análise detalhada sobre a Taxonomia Europeia e o impacto no setor imobiliário. Para Ana Luísa, «a taxonomia deu cor à legislação das finanças sustentáveis, que tentou reorientar o capital para projetos mais sustentáveis. Porque só através do dinheiro se consegue uma verdadeira transformação», afirmou. «Os bancos já estão a classificar todos os projetos que financiam de acordo com esses critérios. A taxonomia é a cenoura, no fundo. Os bancos vão querer emprestar dinheiro a projetos sustentáveis, dando melhores condições. As empresas vão fazer um push cada vez maior para o alinhamento com esses objetivos: não é obrigatório, mas é um statement», acrescentou Ana Luísa Cabrita
"Promotores imobiliários têm feito um esforço para seguir essas métricas de ESG"
Outro ponto importante abordado foi a pressão crescente sobre as empresas para alinhar as suas práticas com os princípios ESG, especialmente no setor imobiliário. Bernardo Sá Vaz, diretor da APPII, destacou que «a Taxonomia Europeia será importante, mas temos de ter em conta que o processo da promoção imobiliária já é muito duro, o caminho é muito longo, e tudo o que são formalizações e burocracia extra, temos de ter em conta que, deixar as coisas claras é bom, mas com conta, peso e medida». O responsável sublinhou ainda que «os promotores imobiliários têm feito um esforço para seguir essas métricas de ESG, e isso tem muito que ver com o panorama atual do mercado imobiliário português».
Este panorama atual «também cria alguma pressão na adoção das métricas ESG, além da pressão que já existe para viver em Portugal, que reúne condições fantásticas. Mas o cliente que procura Portugal hoje, pertence a uma determinada classe internacional, um segmento alto. E esse cliente, nomeadamente o norte americano, é muito mais consciente também, e mais exigente», referiu Bernardo Sá Vaz.
Ausenda Oliveira, Presidente da Comissão Técnica 219, complementou a discussão, abordando a importância de normas claras para a aplicação dos conceitos ESG nas organizações. De acordo com Ausenda, já existem esforços no sentido de regular a forma como as empresas devem reportar as suas práticas ESG, através da criação de documentos normativos que podem ajudar as organizações a cumprir as suas obrigações legais. «Já existe uma comissão técnica portuguesa dedicada ao ESG que está a produzir um documento normativo para regular os relatórios ESG, ajudando as organizações a dar resposta às suas obrigações legais», explicou.
As novas exigências da Taxonomia Europeia e as práticas ESG estão a remodelar a forma como os projetos são desenvolvidos e avaliados, trazendo consigo desafios, mas também oportunidades para o mercado. Para os especialistas presentes no debate, a adaptação a essas novas exigências requer equilíbrio, formação e uma verdadeira mudança de mentalidade, tanto no setor privado como no público.