O processo de industrialização da construção tem ainda «um longo caminho pela frente». Não vai acontecer de forma rápida, nem será aplicável a todos os casos, mas sim «de forma gradual e com constante avaliação». Mas o que é certo é que a construção produz quase 40% das emissões, por isso «descarbonizar sem influenciar significativamente a construção não vai ser possível. E a industrialização será instrumental para isso mesmo».
Em entrevista, antecedendo a realização do 1º Congresso da Associação Portuguesa de Projetistas e Consultores, a 21 de novembro, sob o mote “Arquitetura e engenharia, um setor em mudança alargada”, João Moutinho, do BUILT CoLAB, partilhou com o RE Portugal a sua visão sobre os principais desafios da mudança da indústria.
O responsável aponta que que Portugal «está a partir com atraso para esta transição, portanto, eu diria que o maior desafio será o de tentar recuperar o tempo perdido com uma abordagem mais “íngreme” de adoção de novas práticas e tentando aprender com os eventuais erros e sucessos dos outros (países e empresas)». Até porque, no contexto atual, a fileira da construção «vive de margens cada vez mais apertadas e de uma competitividade quase desleal com agentes estrangeiros que entram no nosso mercado (fruto da nossa relativamente baixa produtividade e consequentemente competitividade). Uma mudança mais rápida é mais onerosa e difícil. Vai precisar de ajuda significativa por parte do Governo».
Um outro desafio que identifica é mudança de mentalidade: «pensar digital e sustentável é uma mudança significativa num setor que não está habituado a pensar dessa forma. Porquê mudar se não reconhecemos as vantagens de mudança? Este processo de convencimento é crucial. No limite será “mudar ou morrer”, mas não podemos arriscar esse limite. Poderá ser tarde demais».
A verdade é que os métodos de construção industrializados dão mais ênfase aos processos de fabrico e montagem de precisão, uma abordagem que, segundo João Moutinho, «resulta em menos desperdício de material, reduzindo o impacto ambiental associado à extração, transporte e eliminação de materiais de construção. Isto ajuda a reduzir as emissões de carbono associadas à produção e ao transporte destes materiais».
Por outro lado, as instalações de construção fora do estaleiro «podem ser concebidas para serem altamente eficientes em termos energéticos. Isto reduz o consumo de energia em comparação com a construção tradicional no local. Quando alimentadas por fontes de energia renováveis, a pegada ambiental do fabrico e da montagem é ainda mais reduzida». Também permite «uma melhoria do projeto e do planeamento, já que o ambiente controlado das fábricas permite um melhor controlo de qualidade e precisão na construção».
Construção industrializada «também significa uma transição mais rápida para a fase operacional do edifício, onde a eficiência energética pode continuar a ser maximizada», além de maior circularidade, «já que os componentes produzidos em processos de construção industrializados podem ser concebidos para serem facilmente desmontados e reutilizados ou reciclados no final da vida útil de um edifício». Aliás, «a avaliação do ciclo de vida pode mais facilmente ser realizada em ambiente controlado e com produtos modulares e controlados. Esta informação permite tomar decisões mais informadas relativamente à seleção de materiais e técnicas de construção com baixo teor de carbono».
«Esta mudança profunda de mentalidade implica uma alteração da forma como se pensa na construção»
«Esta mudança profunda de mentalidade implica uma alteração da forma como se pensa na construção. Mas é uma mudança necessária em prol da sustentabilidade, eficiência e competitividade. Até os verbos a utilizar mudam. Por exemplo: “construir” pode passar a ser “montar” e “produzir” e “desconstruir” ou “demolir” podem passar para “desmontar” ou “reutilizar”», diz João Moutinho.
Além da contribuição para a descarbonização, a construção industrializada tem várias vantagens. Por exemplo, a eficiência de custos, nomeadamente pela minimização do desperdício de materiais, graças à maior precisão. Todo o processo é mais rápido, «o que se traduz em custos de mão-de-obra mais baixos, despesas de financiamento reduzidas e menos custos associados, tornando-a uma escolha mais económica», além de mais segurança e previsibilidade em ambiente de obra.
Além disso, a construção modular «permite estimativas de custo mais precisas devido ao ambiente controlado, reduzindo a probabilidade de derrapagens orçamentais», exemplifica o responsável.
95% das empresas ainda não está a planear a sua transformação
«As maiores empresas de construção, como a Mota Engil, a Teixeira Duarte ou a Casais já beneficiam destas vantagens em algumas das suas obras e com vários casos de sucesso» e «já perceberam que este é o caminho e estão a investir», aponta João Moutinho, mas apesar dos «sinais positivos, infelizmente estamos a evoluir muito lentamente em Portugal, estamos ainda muito longe de onde já devíamos estar. As metas de descarbonização de 2030 e de 2050 dependem em grande parte, direta ou indiretamente, do ambiente construído. Temos de fazer os edifícios ou infraestruturas de forma semelhante à que fazemos automóveis: de forma eficiente, industrializada e modular».
O especialista estima que, atualmente, 95% do ecossistema da construção não tenha ainda planos de mudar a sua forma de construir ou de produzir materiais. «Podem ter ouvido falar deste tema, porque nós no BUILT CoLAB e muitos outros temos estado a promover esta transformação, mas de momento as preocupações principais destas PMEs são de ordem operacional: mão-de-obra, custos dos materiais ou competitividade». Acredita que «é um problema de interdependências. Os promotores e os projetistas precisam de estar sensíveis e capacitados para as vantagens e possibilidades da industrialização/modularização para realizarem projetos desse tipo; as empresas de construção precisam de estar capacitadas para aceitar estes novos projetos e ter capacidade produtiva para os mesmos; tem de haver procura para haver um mercado de “peças” para a construção; fabricantes de “módulos” ou de peças; os colaboradores das empresas têm de ser recapacitados para passarem a ser técnicos de montagem; e finalmente tem de haver aceitação do mercado para este novo tipo de construção que tem potencial de ter mais qualidade, menos patologias, menor custo e menor tempo de “fabrico/montagem”», explica.
Mais incentivos são necessários
João Moutinho acredita que são necessários mais incentivos às empresas, quer através de políticas, quer de sensibilização. As novas regras devem ser impostas de forma adaptada «às limitações do mercado e do setor», mas têm de caminhar para este novo paradigma.
Uma das motivações é a crise na habitação: «precisamos de construção rapidamente, a preços acessíveis e ambientalmente sustentável. A solução mais óbvia é industrializar o processo utilizando materiais com elevada circularidade. A madeira é um claro exemplo disso. Sendo este material um dos materiais com maior sustentabilidade e que muitas vezes pode substituir o betão – um dos maiores desafios da construção sustentável, é estranho que ainda não haja uma aposta neste tipo de material», aponta. A este propósito, o BUILT CoLAB integra um consórcio, liderado pela Deloitte, que está a tentar promover o uso da madeira na construção.
João Moutinho considera que as melhorias podem ser rapidamente dinamizadas pelo Governo, «numa abordagem “top down”», que inclua um enquadramento legal relativo à obrigatoriedade da sustentabilidade no ambiente construído, criando oferta de sensibilização e capacitação para estas áreas, incentivando a adoção de novas medidas através de incentivos fiscais, custos administrativos «ou mesmo incentivos financeiros à capacitação».
Obrigatoriedade do BIM “pode ter uma série de impactos significativos” na indústria
Está prevista no novo Simplex do licenciamento urbanístico a obrigatoriedade de usar BIM no setor da construção, o que João Moutinho acredita que «pode ter uma série de impactos significativos, tanto positivos como negativos. Os negativos podem ser mitigados ou muito reduzidos e, portanto, sou adepto fervoroso da iniciativa em curso prevista no novo Simplex, que vai “obrigar” aos vários agentes da construção a mudar». Isto porque, acredita, «o BIM é uma metodologia e uma mudança de mentalidade que oferece ferramentas para ter um melhor controlo de todas as fases do ciclo de vida do ambiente construído. E é isso que precisamos. Ter um modelo digital permite a melhoria da colaboração entre os intervenientes no projeto, incluindo arquitetos, engenheiros, empreiteiros, proprietários e municípios». Ou seja, melhor calendarização, melhor afetação de recursos, melhor tomada de decisões, e consequente redução de custos, e mais edifícios sustentáveis e eficientes, porque o BIM «pode ajudar na conceção e análise» desde o início e durante todo o seu tempo de vida útil.
Nos impactos menos positivos, identifica o previsível aumento de custos com software, um custo inicial de capacitação dos colaboradores, alguma resistência à mudança e alguns potenciais problemas de interoperabilidade de dados, agentes e especialidades. «É aqui que a normalização assume um papel preponderante», alerta. «O BUILT CoLAB, enquanto Organismo de Normalização Sectorial (ONS) responsável por coordenar a CT 197 – BIM, juntamente com os membros da comissão, alguns associados e entidades parceiras, tem estado empenhado nesse papel e na transposição de algumas normas para português. Mas acreditamos que todos estes impactos serão transitórios, podem ser mitigados ou são negligenciáveis tendo em conta os impactos positivos».
O BUILT CoLAB
O BUILT CoLAB – Laboratório Colaborativo para o Ambiente Construído do Futuro é uma associação sem fins lucrativos, criada com o apoio da ANI (Agência Nacional de Inovação) e da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), cofinanciada atualmente pelo PRR através da Missão Interface, para promover a digitalização e sustentabilidade do setor da Construção em Portugal. Tem a sua sede no Porto e uma filial em Oeiras e na sua estrutura de colaboradores dispõe apenas de recursos altamente qualificados, especialmente nas áreas da Engenharia e Arquitetura. Tem uma estrutura de associados diversa que vai desde as maiores empresas de Construção em Portugal, passando pelas principais Universidades e Empresas representativas do setor, até aos clusters da Construção e Ferrovia.
Uma entidade que está «ao serviço do setor da construção que tem como principal objetivo promover a transição digital e ecológica». Pauta-se por colaborar com os seus associados e entidades do setor AEC (Arquitetura, Engenharia e Construção) para desenvolver projetos que contribuam para uma construção mais competitiva, sustentável e internacionalizável. Está ligado à Plataforma Tecnológica Portuguesa da Construção, entidade gestora do Cluster AEC para ter um efeito mobilizador e influenciador dos caminhos da construção. «Fomos criados precisamente para sermos agentes da mudança através da inovação», conclui ainda João Moutinho.