A pressão para a adoção de critérios de ESG (Environmental, Social, Governance) vai impulsionar as mudanças para um parque imobiliário mais sustentável, que sem ela seriam muito mais lentas.
Esta foi uma das conclusões do painel “A componente sustentabilidade na formação do valor imobiliário, moderado por Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário, parte da conferência “Avaliação e sustentabilidade – Um novo paradigma”, organizada pela ANAI a 18 de fevereiro.
Na sua apresentação, João Pratas, Presidente da APFIPP, destacou que «desde o ano passado, quando os gestores de ativos escolhem o que gerem, têm de considerar os critérios ESG, e isto pode ser feito ao nível da gestão de risco ou da escolha do setor, por exemplo. O próprio produto de investimento pode ter características neste sentido». Recorda que «esta foi uma imposição feita sobre os gestores de ativos que, ao terem de escolher, acabam por condicionar os próprios ativos. É uma forma imposta para acelerar esta transformação».
Considera que «é uma boa opção política, e é preciso fazê-la funcionar». Mas há desafios, e acredita que «é preciso ter uma linguagem uniforme, para que saibamos todos do que estamos a falar, e para que os critérios e a sua ponderação sejam iguais».
Na experiência da APFIPP, o ESG começa a ser grande preocupação para as grandes empresas arrendatárias ou proprietárias, apesar de os participantes dos fundos ainda não terem «tanto interesse». Por isso, «a grande transformação que vemos a acontecer hoje em dia é ao nível das empresas. É um tema que se vai impor cada vez mais». João Pratas identifica que «daqui a muito pouco tempo, todos os fundos serão voluntariamente ESG, não por decisão do público, mas pelo nível de concorrência».
Economia entra “finalmente” na discussão ambiental. Ativos vão perder valor se não se adaptarem
Sofia Santos, especialista em sustentabilidade e membro do Conselho Científico da ANAI, destacou que «os temas ambientais vão deixar de ser vistos como algo maçador com custos, para serem vistos como uma oportunidade de diferenciação», pois «os ativos vão perder valor se não responderem a determinados critérios».
O tema do ambiente tem sido mais debatido pela engenharia do que pena economia, mas isso parece estar a mudar, depois de anos em que «a economia de mercado deveria incorporar o impacto ambiental, mas não foi capaz de antecipar e incluir esses temas».
Hoje em dia, alguns dos impactos das alterações climáticas «já nos afetam, e há riscos que não podemos controlar. Estes danos podem representar impactos financeiros imensos» e, no limite, «como gestores de ativos, não queremos que o valor dos portfólios diminua no futuro». Agora que a questão «já chegou ao dinheiro», não há volta atrás.
O mercado ainda não tem estímulos suficientes para incorporar estes temas, mas há «uma mudança imensa a nível europeu em termos de regulação que há 10 anos parecia impossível». Sofia Santos exemplifica que «os fundos terão de passar a reportar se adotam ou não estratégias ESG e quais», o que deverá acontecer até 2024, quando entram em vigor novas diretivas europeias que obrigam à partilha de mais informações sobre os investimentos.
Além disso, os imóveis terão de ter uma determinada classificação energética, e terão de reportar emissões de CO2, dados que a banca vai pedir, além de outras sobre o fim de vida dos materiais. «Se o cumprimento com estes critérios mínimos não for cumprido, o financiamento será mais difícil, e o ativo vai baixar de valor. Os critérios ambientais devem estar incluídos na avaliação, não pelo dever que temos, mas porque os imóveis que não cumprirem estão atualmente sobrevalorizados em relação ao que vão valor daqui a 10 ou 15 anos».
Fatura do ESG será “paga por todos”
João Pratas considera que «todos vamos pagar o ESG», cujo custo já será incorporado na margem de quem compra para arrendar, por exemplo. Proprietários e utilizadores terão de suportar a despesa.
Sofia Santos lembra que «a renda mais alta que se paga por um edifício mais eficiente tem de ter em conta as poupanças que se vão conseguir, é um “trade-off”». Destaca que a informação existe, mas que «não é divulgada» ao comprador, por isso «é tudo uma questão de comunicação. Ou ninguém pergunta, ou ninguém diz».
Na base, está convencida de que o desafio é social, pois «só quem pode pagar um pouco mais é que terá acesso aos melhores edifícios, o que do ponto de vista da equidade não é justo nem faz sentido». Dadas as exigências europeias para os próximos anos, «corremos o risco de os impostos sobre o menos eficiente caírem sobre as famílias mais desfavorecidas. E é nesta falha de mercado que o público tem espaço para entrar, e ajudar quem não pode pagar», defende.
Sobre o peso que estas questões podem ter nos bancos, que no crédito começam a ter de incorporar o risco ambiental nos rácios de capital, recorda que não só o tema do ambiente não é novo, como «a banca foi o último setor a ser “chamado” a ajudar com este tema, depois de muitos outros desde os anos 80, como o setor industrial, numa perspetiva de aceleração».
Seja como for, acredita que os avaliadores imobiliários devem ter um estímulo para incorporar a qualidade e sustentabilidade dos ativos no seu valor. «Faz sentido criar um enquadramento que todos sigam».