Começando pelas apresentações, conseguem sugerir-nos uma obra que seja representativa do vosso trabalho?
Começamos em 2015 com o projecto do Centro Interpretativo do Vale do Tua (inaugurado em 2018) que até ao momento (apesar de outras empreitadas em curso) continua a ser a obra que talvez melhor nos defina. Foi também muito importante para nós pelo reconhecimento nacional e internacional que teve, destacando a vitória no Prémio Nacional de Reabilitação Urbana 2020 (categoria Melhor intervenção inferior a 1000 m2), a Menção honrosa no Prémio de Arquitectura do Douro e nomeação para o Mies Van der Rohe Award 2019.
Onde estão sedeados? Quais as áreas de especialização? E qual a dimensão da equipa?
Temos o nosso escritório no Porto, no Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC). Não concordamos muito com a ideia de especialização em arquitectura, mas temos um foco especial pelas áreas do património e museologia e somos Spin-Off UP também precisamente pela investigação que temos transportado para os projectos nestas áreas. A equipa tem uma dimensão pequena, variando entre 3 a 4 pessoas.
Quais as principais características que marcam as vossas obras?
Há uma característica que julgamos comum a todos os projectos que encaramos, a investigação exaustiva da pré-existência, no caso da reabilitação, e a investigação construtiva a caminho da eficácia e coerência com os meios e tecnologias actuais. Interessa-nos a ideia de transformar o espaço não só nas suas camadas mais visíveis, mas também a vontade de encontrar a continuidade e um certo anonimato. Tentamos sempre aprofundar o modo de como o sistema construtivo se relaciona com a forma e com o programa.
E, entre os projetos mais emblemáticos do vosso portfólio, quais destacariam?
Em 2017 tivemos a honra de ganhar o concurso para a transformação da casa de Aristides de Sousa Mendes, que foi e continua a ser um enorme desafio pelo simbolismo, mas também por todas as sensibilidades e entidades envolvidas. É verdadeiramente um projecto nacional com âmbito internacional e nesse sentido sentimos a responsabilidade. Mais recentemente também entregamos o projecto de execução para a reabilitação do Chalet Suiço da Pampilhosa na Mealhada. Igualmente desafiamente pelas expectativas que foram criadas em torno do projecto. Ambos devem entrar em construção ainda este ano.
Cumprido um ano desde a chegada da Covid-19, como têm sentido o impacto da pandemia no mercado da arquitetura? E, especificamente, na prática do vosso atelier?
Sentimos bastante o impacto da pandemia, não imediatamente nos primeiros meses, mas mais na fase final de 2020. Com os promotores privados, naturalmente foram-se encerrando os processos que já tínhamos e que vinham de trás, e foram cancelando ou adiando as novas iniciativas neste contexto de incerteza. Com a encomenda pública não notamos até agora grandes alterações, talvez pelo contexto de eleições autárquicas, mas temos constatado uma queda abrupta da remuneração do preço base dos projectos e com alguns colegas a alinharem em práticas e preços que claramente não dignificam a profissão. Não entendemos como alguns colegas com todos os encargos inerentes à obra pública, aceitam algumas remunerações. Em determinado momento, à semelhança das empreitadas, os concursos (exclusivamente de preço, que são aliás contra os próprios estatutos das ordens profissionais) vão ter que ficar desertos, para que eventualmente alguma coisa mude.
Do ponto de vista prático, o teletrabalho não trouxe complicações, foi uma mudança natural e dispomos das ferramentas para trabalhar com a suficiente normalidade, e com a infraestrutura montada começamos já com parcerias internacionais em projectos mais ambiciosos.
Atualmente, quantos projetos têm em carteira (em que setores e em que localizações)? E quais as perspetivas ao nível de novas encomendas para este ano?
Neste momento temos cerca de 10 projectos em andamento, em todos os diferentes estados de desenvolvimento do norte ao centro de Portugal. No sector cultural marcamos presença no interior do país, (um pouco em continuidade com a intervenção do Centro Interpretativo do Vale do Tua) em Carregal do Sal com o projecto de reabilitação e musealização da casa de Aristides de Sousa Mendes, e na Mealhada com o projecto do centro cultural para o Chalet Suiço. Mais a norte no Gerês temos em andamento o projecto de três pequenas habitações turísticas. Recentemente voltamos a Foz Tua para a intervenção em duas pequenas casas de férias.
Mais perto do Porto temos em andamento projectos e obras de habitação e a expansão de uma unidade industrial em Matosinhos.
As perspectivas da encomenda em 2021 são pessimistas, pois salvos nichos de iniciativa privada, sentimos uma grande hesitação e receio dos promotores privados. Da iniciativa pública, julgamos que também passado o natural movimento das eleições autárquicas as coisas se contraiam.
Olhando para o estado atual do mercado imobiliário e da construção, onde identificam o maior potencial de crescimento em Portugal?
Há sempre o inevitável chavão da reabilitação que ainda se manterá, mas penso que ao nível da habitação e espaços de escritório vamos assistir ao crescimento pela transformação de espaços existentes. O excesso de oferta indiferenciada em determinados centros deverá certamente levar a que estes espaços se transformem. Como já sabemos, algumas empresas não voltaram a trabalhar como antes da pandemia e isso vai necessariamente obrigar a que os ajustes apareçam.
Talvez seja uma oportunidade interessante para algumas periferias se qualificarem. Naturalmente à volta das grandes cidades ainda será possível encontrar alguns pontos com o potencial necessário para se tornarem novas centralidades em virtude desta deslocação laboral, mais descentralizada e informal.
Nesta fase, o mercado continua muito voltado para a reabilitação e a regeneração urbana. A vosso ver, qual é o papel do arquiteto nesse processo que, afinal, é uma prioridade a nível nacional?
Do nosso ponto de vista, o papel do arquitecto deve aparecer ainda antes do projecto no auxílio aos promotores para a construção dos programas e investimentos. Muitos arquitectos queixam-se do desajuste da encomenda e dos programas que são pedidos para determinado edifício. Se houvesse esse diálogo prévio com arquitectos e mesmo com engenheiros, para aferir algumas situações de compatibilidade, etc, toda a reabilitação poderia desde logo à partida ser um processo mais natural e menos forçado. O que acontece é que muitas vezes todo este trabalho prévio de financiamento e calendarização do investimento já está feito e fechado sem volta atrás quando a encomenda nos chega. Com isto os projectistas ficam muitas vezes em situações complicadas com angústias e conflitos que poderiam atempadamente ser evitados.
De resto, entendemos que o arquitecto deve coordenar os vários interesses do projecto e de toda a equipa, sendo não raras vezes o interveniente contínuo em processos que se arrastam anos com mudanças de proprietário, empreiteiros, técnicos de câmaras, instituições, etc.
Outra questão-chave e que é cada vez mais incontornável é a sustentabilidade do edificado, não só do ponto de vista energético, mas também ambiental e social. Como é que a arquitetura deve contribuir para este desígnio?
Os arquitectos directa e indirectamente podem ter um papel activo na construção de uma política de manutenção do edificado. Se do ponto de vista energético e ambiental a situação fica mais ou menos resolvida com um projecto competente, do ponto de vista social as questões da manutenção são bastante importantes. Toda a gente compreende que por exemplo num bairro camarário se não existir manutenção constante, a degradação natural do espaço público e da construção pela pintura, cobertura, etc, vai acontecendo e contribui para a criação de um estigma social constante. Atrás desse estigma surgem outras situações de marginalização, etc, que agravam e trazem problemas cada vez mais complexos.
Depois, com a falta de manutenção, as condições de vida pioram e chegamos a um limite onde já é necessária uma intervenção de fundo, mais complexa, mais cara e mais demorada, com a vida das pessoas em suspenso.
E, tendo em conta o estado atual do parque edificado nacional, quais devem ser as prioridades para o tornar mais sustentável?
A manutenção e uma construção mais exigente. A ideia de que Portugal tem um clima simpático tem sido cada vez mais desmentida. As sucessivas vagas de calor e de frio demonstram que não se pode continuar a construir maioritariamente como até agora. A poupança de uma boa construção a longo prazo é incalculável. Ganham as pessoas em qualidade de vida, ficam menos doentes, sofrem menos com o frio e com o calor e poupamos a sociedade a todos estes inconvenientes, evitáveis e que vão muito mais além do preço da electricidade.
Quando prescreve os materiais de construção, que características tem em consideração?
Temos em atenção muitas coisas, mas focamo-nos mais na coerência e manutenção, num certo sentido operativo. Interessamo-nos por princípios standard que depois possam ser reinterpretados e ajustados. Dificilmente com o nosso contexto construtivo se consegue implementar uma solução totalmente standard, pela dimensão das intervenções.
Temos também um certo gosto pelas texturas naturais dos materiais e pelo seu bom envelhecimento. Procuramos que sempre dentro do possível esta expressividade natural dos materiais seja a própria linguagem dos projectos e o seu acabamento.
A concluir gostariam de abordar algum outro tema?
Gostaríamos de terminar com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e com as alterações à contratação pública que neste contexto se pretendem criar, nomeadamente sobre o facto de se estar a planear a preferência por contratos de concepção/construção. Este facto é de extrema importância para o projecto, de arquitectura e de engenharia. Retira os projectistas da intervenção directa nos problemas e sua resolução, tornando o projecto numa mera rubrica de orçamento de uma intervenção qualquer. O projecto ficará refém da boa vontade ou não, de uma empresa maior vocacionada para a obra, e a sociedade precisa de um projecto escrutinado e de um projectista intermediário independente entre todos os protagonistas para o sucesso das intervenções.